O bicho pegou
A ascensão do veganismo e a disseminação desse estilo de vida, tem levantado um debate importante acerca do respeito à vida animal. Fujamos dos clichês que falam somente sobre ter responsabilidade com os animais domésticos e vamos pensar como um todo. Porque um gatinho e um cãozinho merecem todo o nosso respeito e dedicação até a sua morte e os demais animais não? Creio que nem metade de nós pensou nessa questão antes, tão pouco tenha pensado em soluções para que os animais tenham uma condição de vida mais feliz.
Quando eu era pequena meu pai fazia uma brincadeira comigo. Ele sempre me perguntava: “Você gosta mais do papai ou da mamãe”, contrariando toda a lógica da pergunta ele me ensinou a dizer: “Gosto mais de carne”. Depois de cada resposta dada, ele ria de se acabar, como se aquela fosse a coisa mais engraçada do mundo, nunca entendi bem a lógica, mas eu a respeitava.
Quando somos crianças em algum momento, lá pelo segundo ano do ensino fundamental, descobrimos que pertencemos ao topo da cadeia alimentar. Ou por sermos considerados “animais racionais” ou por possuirmos artifícios para tal ato. Claro que quando você é criança talvez não assimile muito bem como a carne vai parar no seu prato e nem de onde ela vem, tão pouco como isso é feito e para você está tudo bem. Porém quando você descobre como as coisas realmente acontecem não passa a ficar tão contente.
Se você é uma pessoa adulta, é possível que tenha tido pelo menos um animal de estimação durante a vida. Eu sempre gostei dos bichinhos mas aprendi a cuidar deles agora na vida adulta, quando um gatinho branco e cinza apareceu na porta do meu prédio e foi amor a primeira vista, assim como um pequeno gato preto que cruzou o meu caminho e desde então só me trouxe sorte.
Eu não sou adepta do veganismo ou vegetarianismo. Não consigo me desapegar da carne e nem de outros produtos de origem animal, mas concordo que todos o animais merecem o mesmo tipo de respeito e cuidado. Todo animal mesmo. Desde o elefante que tem seus grandes dentes retirados por conta do marfim, até o porquinho que se torna nosso almoço. Alguns países levam realmente a sério a cultura do respeito aos animais ou pelo menos a alguns deles, como a Tailândia que reverencia os elefantes e a Índia, que tem as vacas como animais sagrados.
A tendência é que o veganismo continue crescendo e se propagando, mas vocês conseguem imaginar se chegássemos ao ponto de não ingerir mais nenhum produto de origem animal? Existem pontos positivos e negativos acerca dessa prática.
O desmatamento diminuiria. Levando em conta que não precisariam de áreas para dar espaço ao gado ou cultivar alimento para ele, essa área poderia ser recuperada, para dar espaço a floresta. O investimento seria alto, porque o solo utilizado para pasto geralmente é bastante degradado, porém seria uma vitória importante para o ecossistema levando em conta que melhoraria a qualidade do ar, além de trazer mais benefícios.
A poluição do ar diminuiria. A pecuária emite uma grande quantidade de poluentes (que variam do gás metano liberado pelos animais, até fumaça gerada pelo caminhão que transporta a carne). Hoje cerca de 25% de toda emissão de poluentes no planeta é provocado pela pecuária. Veja bem, comer cerca de 100 grama de carne todo dia, significa emitir 99kg de dióxido de carbono em um ano e isso é alarmante. Se o fim do consumo dos produtos de origem animal fosse instaurado essa parcela cairia 70%.
O espaço para plantio sem precisar desmatar cresceria. Cerca de um terço de toda área cultivada no planeta não produz alimentos para os humanos, mas para os animais que consumimos. Se a pecuária acabasse, o espaço liberado seria equivalente a área da África inteira. A economia de água também seria evidente, levando em conta que gastamos cerca de 15 mil litros para produzir 1kg de bife, quando gastamos 300 litros para 1kg de vegetais.
A alimentação saudável estaria instaurada. Com os problemas socioeconômicos resolvidos e com todos os habitantes do planeta tendo acesso a uma alimentação sem carne, seriam evitadas 7 milhões de mortes por ano até 2050. Isso ocorre porque em uma alimentação inteiramente dependente de proteína e gordura animal provoca doenças cardíacas, diabetes, derrames e ainda contribui para o desenvolvimento de alguns tipos de câncer. A redução nos gastos com saúde pública seria da ordem de 3% do PIB mundial.
Com a mudança na alimentação teríamos que encontrar uma função para quase 25 bilhões de animais “sem função”, levando em conta que eles não teriam mais nenhum valor econômico. Nessa conta estão 1,4 bilhões de cabeças de gado, 1,9 bilhões de ovelhas e cabras, 980 milhões de porcos e 19,6 bilhões de galinhas. Simplesmente devolver esses animais à natureza, provavelmente provocaria a morte da maioria, já que viveram a vida inteira em cativeiros. A melhor solução seria colocá-los em reservas onde seriam mantidos vivos. A maior dificuldade encontrada seria sustentar financeiramente essas instituições.
A população pobre passaria ainda mais fome. Levando em conta que a carne é um produto caro, comparada a outras ela ainda é uma fonte mais barata de proteínas importantes para manter o organismo funcionando corretamente e bem nutrido para ficar em pé. Dietas saudáveis, acabam sendo mais caras. Seria preciso um grande estímulo e impulso voltado a agricultura local dos países em desenvolvimento para melhorar a distribuição de legumes e frutas, que muitas vezes são mais difíceis de preservar e conservar sem estragar rapidamente. Nos países mais pobres, que dependem da carne, esse cenário parece difícil de ser colocado em prática.
Muitos países tem a carne como uma parte essencial da cultura. Haveria uma descaracterização grande, afinal o Brasil ficaria sem churrascarias, os Estados Unidos sem seus famosos hambúrgueres e o Japão sem os sushis. Os povos nômades que carregam o gado consigo tanto para transportar peso, quanto como fonte de comida seriam obrigados a migrar para as cidades, aumentando o inchaço populacional e os índices de pobreza.
Diversos produtos do nosso dia a dia seriam banidos, já que boa parte deles contém substâncias extraídas de animais. Nessa lista temos dos itens mais óbvios como roupas, até os mais inusitados como filmes fotográficos e peças de computador. Em um Universo completamente vegano esses produtos deixariam de existir até que cientistas encontrassem substitutivos viáveis e que executassem as mesmas funções com maestria.
Se subitamente todas as pessoas do mundo parassem de ingerir carne ou qualquer outro tipo de produto de origem animal o impacto na economia seria muito grande. O 1,5 bilhões de pessoas que equivalem a 20% da população mundial que trabalham hoje com pecuária, avicultura ou pesca ficariam imediatamente desempregadas. Realocar todas essas pessoas seria uma tarefa quase impossível, especialmente em países subdesenvolvidos como o Brasil, onde o setor gera 400 bilhões de reais todos os anos.
Ufa, perceberam quantas mudanças relevantes? Nós nos compadecemos muito com a situação dos animais e não é nossa função elencar o que é certo ou errado. Levando em conta que cada pessoa é única e que cada um é dono de suas própria decisões e é capaz de elencar o que é melhor para si, não temos o direito de ditar regras. O que queremos é mostrar os diversos contrapontos de uma mesma situação e pedir que você pense com sabedoria em cada ato seu.
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