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Açúcares


Ferreira Gullar o descreveu como flor que se dissolve na boca. Falamos sobre o açúcar que adoçou o café de Gullar naquela manhã em Ipanema e quem sabe tenha adoçado o seu também, nesta manhã, aqui na região do Contestado. O açúcar da minha xícara é refinado, mas a nutricionista indicaria o demerara ou o de coco. Existe o light, que nunca vi e nem comi, só ouvi falar. Sei que ele é um vilão silencioso da saúde de modo geral, mas existe, entre essas ardilosas feras, alguma opção mais saudável?

A resposta é sim! Como tudo na área da saúde, não podemos pensar de modo unilateral com conceitos como “bom” ou “mal”. Entretanto, sim, existem opções de açúcares mais ricos do que outros em vitaminas e minerais, mas a escolha deve se basear na sua necessidade de modo geral. A questão principal é que existem diferentes tipos de açúcar disponíveis no mercado e a escolha na hora da compra deve ser consciente. E por consciente, entendemos uma escolha que seja feita com base em muito informação.

De acordo com o Ministério da Saúde, quanto mais escuro for o produto, mais próximo está do estado bruto, ou seja, foi menos processado. Estes é o caso do mascavo e o demerara. Já os mais refinados como o cristal, refinado e o de confeiteiro, se tornam mais prejudiciais por serem submetidos a processos químicos em sua elaboração. A Resolução da Anvisa nº 12, de 24 de julho de 1978, define açúcar como a sacarose obtida da cana da beterraba (nomes científicos ficam para os biólogos), sendo menos frequente extraídas de outros vegetais por processos industriais adequados. As principais diferenças entre eles aparecem no gosto, cor e composição nutricional e é essa compreensão que permitirá que a sua escolha seja a melhor possível para o seu corpo.

 

AÇÚCAR MASCAVO

É retirado depois do cozimento do caldo da cana, o que faz com que seja a forma mais bruta de extração. Como não passa por refinamento, apresenta coloração escura, sabor bem incorporado, semelhante ao da cana em si, e ainda preserva minerais como cálcio, ferro, zinco, magnésio e potássio, além de vitaminas.

 

AÇÚCAR DEMERARA

Passa por um refinamento leve e não recebe nenhum aditivo químico. Por isso, seus grãos são grossos e possuem coloração marrom-claros.  Tem valor nutricional alto, muito similar ao açúcar mascavo. A melhor escolha é preferir os orgânicos, já que mantém os nutrientes sem adicionar defensivos. É bastante usado na introdução alimentar dos bebês, já que tem menor poder de doçura e não se sobrepõe ao sabor dos ingredientes.

 

AÇÚCAR CRISTAL

Tem forma de cristais grandes e transparentes em função do processo de refinamento mais leve. Porém, recebe alguns aditivos e perde grande parte das vitaminas e minerais.

 

AÇÚCAR REFINADO

É o mais conhecido de todos e é produzido a partir do melado da cana e recebe produtos químicos como o enxofre durante o refinamento para adquirir a cor branca. Com 90% dos nutrientes perdidos no processo, se torna um açúcar pobre e muito calórico.

 

AÇÚCAR DE COCO

É um substituto do açúcar da cana, extraído do diluído das flores de palma de coco sem passar por refinamento ou adulteração. Para obtê-lo, ferve-se a seiva das flores até obter a formação de cristais. Com elevada quantidade de potássio, magnésio, zinco e ferro, é fonte natural de vitaminas, B1, B2 e B6, não contém conservantes e apresenta baixo índice glicêmico.

 

AÇÚCAR LIGHT

Também conhecido como “açúcar magro” é uma mistura de açúcar refinado comum e adoçantes artificiais como sucralose, ciclamato de sódio e sacarina sódica. Como tem menor teor de sacarose, é menos calórico do que o açúcar comum, mas não pode ser considerado como uma opção mais saudável do ponto de vista dos nutrientes.

 

AÇÚCAR DE BETERRABA

É extraído do xarope da beterraba. Durante seu processo, poucos nutrientes são perdidos, preservando mais qualidades nutricionais. Outro ponto positivo é seu alto índice glicêmico. Entretanto, seu preço não pode ser tão competitivo no Brasil.

 

RECOMENDADO PARA QUEM?

Antes de sair por aí trocando os açúcares do seu dia a dia, vale a pena questionar os profissionais da saúde que o acompanham para saber qual é a melhor opção de acordo com as suas necessidades. Nunca é demais lembrar que, para além das calorias, todos os tipos de açúcar vão causar um aumento na glicose do sangue (alguns tipos mais, outros menos). Logo, dependentemente do grau de processamento, o consumo moderado é o mais recomendado.

 

UM POUQUINHO DE HISTÓRIA

Seria impossível não falar sobre açúcar e cana de açúcar sem mencionar a história do Brasil. Mas antes de vir ao Brasil, a cana foi cultivada em outros continentes e faz parte da história de muitas culturas. Estudos indicam que a cana era cultivada nas ilhas da Nova Guiné, no Pacífico Sul, por volta de 20.000 a.C. e foi a partir de lá que se difundiu para Índia, onde é cultivada a mais de 6.000 anos. No livro dos Vedas (Atharvaveda), a base das escrituras sagradas do hinduísmo, pode-se encontrar um curioso trecho que se refere a cana de forma indireta e direta: “Esta planta brotou do mel; com mel a arrancamos; nasceu a doçura” e “Eu te enlaço com uma grinalda de cana de açúcar, para que me não sejas esquiva, para que te enamores de mim, para que não me sejas infiel”. A palavra açúcar, por sua vez, deriva de “shakka” em sânscrito, a antiga língua da Índia.

Conta-se que os indianos extraiam o caldo da cana para consumo e o apresentaram de forma fermentada para um soldado de Alexandre, o Grande, chamado Niarchos. Com a expansão do império alexandrino, a comercialização do caldo fermentado de cana passou a ser realizada com os gregos e mais tarde com os romanos, como um aguaria de alto valor, restrito à elite. Foi por volta de 600 d.C. que os persas desenvolveram algumas técnicas de refinamento com o objetivo de estocagem, transporte e comércio sem que fermentasse. Com a conquista da Pérsia pelos árabes em 650 d.C. o comércio teve sequência e se aproximou cada vez mais da Europa através da colonização da Península Ibérica, Norte da África e Oriente Médio. Com as Cruzadas se estendendo para a Península Ibérica e Oriente, a especiaria ganhou prestígio ao ser utilizada como remédio contra a peste negra. Logo, passou a ser utilizada para conservar frutas e, nas cortes reais como item para esculturas ostentadas em festividades.

Com a chegada dos portugueses às Américas, especialmente após a produção bem sucedida de cana de açúcar na Ilha da Madeira, os portugueses deram início a produção em escala. Ainda no século XVI, a produção brasileira permitia que Portugal e Holanda garantissem uma elevada lucratividade no mercado europeu. Entretanto, a partir do início do século XVIII a produção nas ilhas do Caribe e nas Antilhas cresceu, elevando o Haiti, colônia francesa, à categoria de maior mundial.

Entretanto, no início do século XIX, com a dominação da Europa por Napoleão, entrou em vigor um grande bloqueio comercial promovido pela Inglaterra gralhas ao seu maior poder naval. Sem receber o açúcar produzido nas colônias francesas ou de outras parcerias além-mar, Napoleão incentivou a produção de açúcar de beterraba a partir da técnica desenvolvida por Andrés Marggraf, um químico prussiano.

Com a revolução industrial, novas máquinas, técnicas e equipamentos permitiram que as indústrias do açúcar inaugurassem um novo patamar tecnológico de produção e eficiência. Fábricas modernas passaram ocupar novas regiões produtoras enquanto o Brasil ainda persistiu com os tradicionais engenhos e com o uso de mão de obra escrava.

Depois de ganhar um novo fôlego com a exportação de açúcar para a Europa devastada pela 1º Guerra Mundial em 1914, o Brasil passou a investir na produção de etanol, embora timidamente. Nos anos 30, o governo Vargas criou o Instituto do Açúcar e o Álcool (IAA) o instituiu a adição de etanol na gasolina. Já em 1975 foi criado o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool) com o objetivo de diminuir a dependência do país em relação ao petróleo. Mesmo assim nosso etanol ainda não era competitivo em termos econômicos e tecnológicos diante do mercado internacional. Nos anos 90, Collor extinguiu o IAA e retirou os subsídios e incentivos fiscais do governo com o objetivo de cortar gastos.

Com a popularização dos carros flex nos anos 200 e a amplitude das discussões sobre as mudanças climáticas, aumento da produção de energias renováveis e diminuição da emissão de CO2 derivados da queima de combustíveis fósseis, o Brasil voltou a movimentar a produção. No momento em que o país prioriza o etanol, quem ganha espaço no comércio global do açúcar é a Ásia a partir das produções da Índia e Tailândia.

Podemos pensar que não é verdade, mas o açúcar que adoçou a xícara de Gullar naquela manhã em Ipanema não parece por acaso em nossa mesa e conhecer de onde ele vem, como e porque é produzido, além das caraterísticas nutricionais é fundamental para que esta viúva negra da saúde não afete tanto o seu organismo, as relações de trabalho e o planeta como um todo.


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