Não há peixe após o pôr do sol
Não há peixe após o pôr do sol... Foi a primeira coisa que nos disseram ao chegarmos na pequena pousada próxima ao rio Niangem. Uma pousada extremamente tradicional, administrada pelos próprios nativos, aonde só quem sabe onde é consegue chegar.
Meus dois colegas deram de ombros ao estranho comentário e seguiram o “chefe”, que passou a mostra o lugar... Mas não eu. Eu não entendi aquela frase, principalmente porque gosto de pescar a noite, e sei que muitos peixes só são possíveis de serem pegos no escuro. Tínhamos viajado o dia inteiro e eu não planejava sair pescar no momento. Queria mesmo cair na cama e após dar uma olhada em volta foi o que fiz.
Na manhã seguinte acordamos cedo, loucos para ver que tipo de peixe pegaríamos no restrito rio. Pode se encontrar dentro de uma reserva tribal, foi muito difícil de conseguir as autorizações necessárias, o que apenas nos deixou ainda mais ansiosos pela pescaria. Foi uma decepção! Quero dizer, foi bom até, pegamos alguma coisa, mas nada de especial.
Pela tarde voltamos ao rio, mas de novo, nada surpreendente apareceu.
Um pouco chateado, esperei até a hora da janta, quando alguns membros da tribo local se juntavam a nós para jantar e contar histórias e então pedi a um deles se poderia sair pescar. Expliquei como gostava da noite, da solidão e que achava que poderia pegar algo diferente.
Ele me olhou sério, deixando-me desconfortável, e então disse:
- Não há peixe após o pôr do sol.
“Que surpresa”, pensei sozinho. Eventualmente, tentei falar com outros locais sobre isso, mas sempre acabei batendo na mesma barreira, que por sinal, para mim não fazia o menor sentido.
No dia seguinte, voltamos a acordar cedo, tentando pegar algo a manhã inteira.
Nada de excitante.
Tentamos então pela tarde.
Nada novamente.
Voltamos, por fim, à pousada e nos reunimos com os nativos para compartilhar uma tradicional refeição. Estava sem sono, decepcionado com aquela viagem que prometia tanto, mas se mostrava um fracasso, mas notei quem aos poucos, todos foram se retirando aos seus aposentos: meus colegas foram os primeiros, os atendentes partiram um pouco mais tarde, o chefe me deu uma boa olhada antes de sair, um olhar sério, mas por fim, me vi sozinho.
Levantei-me e comecei a caminhar em direção ao quarto, quando vi a trilha para o rio. Estava escura... Vazia...
“Não há peixe após o pôr do sol”.
A frase cruzou minha mente, ao que logo rebati com: “Não, vocês dizem? Deixem que eu decida isso por mim”.
Sem mais ter dúvida, peguei minhas coisas e fui para o rio. Entrei no pequeno bote de madeira cuidando para não fazer barulho e naveguei até seu meio. Ali, finalmente sozinho, poderia fazer as coisas do meu jeito e isso me animou. Coloquei minha lanterna de cabeça, arrumei a vara, joguei a isca e fiquei observando o círculo de luz esperando algum peixe noturno aparecer.
Esperei...
Esperei...
Nada acontecia.
“Talvez eles estejam certos”, pensei. Mas não queria me dar por vencido ainda. Aproximei-me da beira do bote e olhei para a água escura tentando ver algo. Mesmo com a luz da lanterna, era difícil distinguir qualquer coisa, até que ela começou a estalar. Sem tirar os olhos os olhos da água, dei uns tapinhas nela e quando reacendeu, foi que eu vi.
Logo abaixo da superfície da água, apenas alguns centímetros do meu rosto, havia uma criatura de cor pálida, olhando para mim. Olhando é a forma de dizer, pois ela não possuía olhos. Consegui apenas distinguir a cabeça e uma grande boca, com olhos largos e braços finos.
Paralisei.
Os longos braços lentamente começaram a sair da água, indo em minha direção. Senti os dedos finos e afiados aproximarem-se do meu rosto sem saber o que fazer, quando ouvi um grito catado.
Livre do efeito hipnótico da criatura, olhei para a beira do rio e sob a luz da lua, percebi o chefe, vestido com trajes tradicionais, carregando um enfeitado bastão. Ele estava muito sério. Sem em demorar, voltei à margem, passei por ele sem nada dizer e voltar ao quarto, trancando a porta atrás de mim.
“Não há peixe após o pôr do sol”.
Não acho que seja verdade, mas agora eu entendo. Entendo que precisam do dinheiro que trazemos e que não podem revelar tudo o que sabem. Coisas que não entenderíamos.
E eu? Não tenho mais ido pescar há algum tempo. Às vezes até tenho vontade... Mas ela logo passa sempre que olho no espelho e vejo as quatro longas cicatrizes que ganhei no rosto naquela dia.
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