O corvo branco - Leonardo Colle
Não foi nem uma e nem duas vezes que ouvi a história do corvo branco. É um conto antigo em nossa família, que os pais contam para os filhos irem para a cama cedo, afinal “ele só aparece a noite”. Os mais antigos, porém, garantem que não é só um conto, mas algo real. Um mal presságio que antecede a morte.
Segundo minha bisavó, ele já apareceu para ela, a muitos e muitos anos. Ainda era uma jovem moça quando avistou a ave peculiar, através da janela de seu quarto, iluminada pela luz do luar.
Ela não acreditava na história, embora a visão de ave tão diferente lhe causou um calafrio suficiente para ficar preocupada. Mas o fato, é que não importa se você acredita ou não... Não para o corvo. Se ele vem, é porque anuncia que alguém vai partir, e naquela mesma semana minha bisavó perdeu sua irmã em um acidente no rancho onde viviam.
A maioria de nossos parentes não acredita, mas eu sou diferente da maioria. Tenho medo desse tipo de histórias e por isso sempre procurei evitar olhar para nossas janelas depois do cair da noite. É lá que ele aparece, garantiu a bisa, e para lá que sempre evitei olhar.
Bom, fiz o possível, mas em uma noite me distraí, e atraída por uma notícia sobre a aparição rara de um cometa, abri minha cortina para poder ver o céu. Não foi preciso mais do que um segundo para eu me arrepender do que havia feito.
Ali, olhando para mim do outro lado do vidro, estava ele, penas brancas como neve e olhos opacos, dignos de um morto.
Fechei a cortina rapidamente e pulei na cama, esquecendo por completo do cometa. Medo invadiu minha mente, conforme passava por minha cabeça quem viria a nos deixar.
Não suportaria que fossem meus pais, os amo demais e não me vejo sem eles; Tampouco poderia ficar sem minha irmã, que tanto me ensina ou meu irmãozinho que me diverte como ninguém. Meus avós e tios... Minha bisa... São todos amáveis e não quero perde-los, nenhum deles. Mas não cabe a mim, pensei, e chorei até o amanhecer.
Na manhã seguinte, ao levantar, desci para a cozinha com cautela. Sabia que a qualquer momento chegaria uma notícia triste, porém, a única infelicidade que tive foi de encontrar minha prima mais velha dividindo a mesa com meus pais.
Nunca gostei dela, pois sempre pega em meu pé, e apesar de meus suplícios, ninguém parece notar. Nunca desejei sua morte, mas se tivesse de escolher alguém, gostaria que fosse ela a levada desta vida, a única que não me faria falta... E foi com esse pensamento que algo brotou em minha mente.
Conversei com meus pais, convencendo-lhes de deixar que ela passasse a noite conosco. Eles, naturalmente, ficaram felizes, imaginando que estávamos nos dando melhor. E ela, acostumada em me mandar e desmandar, também gostou da oportunidade, certamente já imaginando em me obrigar a terminar algum de seus trabalhos da escola ou pegar alguma coisa minha.
É, mas não bem assim.
À noite, como imaginava, fiz os seus trabalhos, lhe dei o que ela pediu e até deixei ficar na minha cama... Mas foi só ter certeza que havia dormido, que resolvi agir.
Havia separado veneno de rato, e despejei em sua boca com cuidado. Havia adocicado para ser mais tragável e ela não acordar.
A verdade é que ela nunca mais acordou.
Encontraram-na morta na manhã seguinte, com espuma e sangue escorrendo da boca.
Houve uma investigação sobre o ocorrido, mas nada foi descoberto, e posso garantir que nunca suspeitaram de uma pobre menina chocada com a morte da querida prima em sua cama.
Não sou má, nunca gostaria de ter que matar, mas para mim foi o único jeito. O mal presságio precisava ser concluído, e alguém tinha de partir...
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