Porque ler os livros adaptados?
Tocamos em um assunto delicado ao falar sobre os livros canônicos, comumente conhecidos como Clássicos. São esses livros que são difundidos nas escolas e encontrados com maior facilidade nas bibliotecas ou nas livrarias, além de serem mais socialmente aceitos. Entretanto, alguns deles possuem uma linguagem que não chega a muitos de seus leitores, principalmente pessoas jovens que não conhecem certas palavras já não usadas no nosso vocabulário. Por isso, há um movimento de adaptar certas obras para que esse público tenha acesso a essa leitura. Porém, ainda é um tema polêmico e vamos explicar o porquê.
O livro adaptado possui algumas características que alguns leitores podem não concordar. Primeiramente, a adaptação serve como uma versão menor do livro original, isto é, se uma obra canônica possui 500 páginas, a versão adaptada pode ter 100 páginas. Segundo, para se tornar mais acessível ao público mais jovem, escreve-se a versão em uma linguagem mais clara, mais atual, já que muitos dessas obras clássicas possuem uma escrita mais rebuscada. Por conta desses dois pontos é que encontramos a polêmica sobre essas adaptações. Há quem contrarie esses pontos, pois acredita que a redução da obra faz com que a pessoa não conheça o livro original verdadeiramente, além de que, mudar a linguagem indica que os leitores não estão realmente lendo a obra como deve ser lida.
Entretanto há outros pontos a favor dessa versão, e aqui vou expor isso, que valorizam e devem valorizar o papel original da adaptação de livros. Em primeiro lugar, a adaptação, para muitos, é um caminho para se chegar ao livro original. Tomo por experiência própria, pois tive o primeiro contato com a obra Robinson Crusoe, de Daniel Defoe, através da obra adaptada. Comecei a leitura pelo original, mas na época, por ser mais nova, não entendia muito do que estava ali exposto, então li o adaptado e entendi melhor a história que, anos depois, eu li pelo original. É preciso entender esse papel da versão adaptada, que é mostrar um pouco do que a obra original tem para dizer e, acredite, algumas adaptações contam muito bem o que o clássico quer dizer, como a versão adaptada de As Viagens de Gulliver, feita por Clarice Lispector. Esta é uma adaptação que até hoje indico para quem ainda não teve o contato com o original.
Ainda falando sobre esse papel inicial da adaptação, podemos exemplificar, em um outro tipo de adaptação, com os filmes que adaptam os livros. Até mesmo quando a adaptação não é muito boa (podemos citar aqui Percy Jackson?) o filme faz a gente conhecer a obra indiretamente e nisso ficamos curiosos e vamos à obra original. Há quem só assiste os filmes e tudo bem, leitura é um hábito que nem todo mundo tem, por isso essas adaptações são tão importantes: para que as pessoas conheçam a história do livro, ainda que só em filme ou só em versão adaptada. Sem as adaptações, um meio dessas histórias chegarem ao público é retirado. Tiramos como exemplo as inúmeras adaptações das histórias da Bíblia. Muitos não leram a Bíblia em si, mas conhecem a história de gênesis, de Jesus, de Noé, através dessas adaptações.
Além de ser uma forma democrática e acessível para o público não só mais jovem, mas que necessita dessa linguagem mais acessível, as adaptações tem a liberdade e o poder de se adaptarem para o público de diversas formas. Como dito anteriormente, temos as adaptações fílmicas, mas não há só essa versão. Tratando das adaptações em livros, não podemos deixar de falar, por exemplo, das versões em quadrinhos. Há algumas obras, como Senhora, de José de Alencar, que foram adaptadas para essa versão e tornaram o livro mais acessível para o público que prefere esse tipo de linguagem. Vale expor aqui que Senhora é um dos livros mais comentados da literatura brasileira como um livro difícil de ler, que, com a versão adaptada ficou mais acessível, com a história podendo chegar a mais olhos. Há versões ilustradas, poesia transformada em prosa, prosa transformada em poesia, em cordel. Não há porque obras com histórias tão bem escritas não poderem ser divulgadas por outros meios, por outras linguagens.
O papel das adaptações é muito importante e também é muito importante frisar que nem sempre teremos adaptações fiéis ou boas, para isso precisamos ter um olhar atento e tentar entender as versões. Mas não se pode excluir a existência e a importância delas, elas tornam a história mais acessível ao leitor, mais democrática, fazem papel de ponte entre o leitor e a obra original. É papel do adaptador tentar mostrar a escrita dos livros, a forma como foi passada a história, porém a ausência desses traços na versão não deve ser ponto de julgamento da adaptação. É preciso saber que ela conta a história do clássico do modo dela, assim como o filme mostra de uma forma, ou uma HQ mostra de outra. É uma versão e precisa ser respeitada e não julgada.
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