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Saúde, Prost e aceita uma cuia?


Quem você é e de onde você vem? Estas são as duas perguntas mais complexas que um ser humano pode responder. Envoltas em múltiplas camadas, a resposta é fruto das experiências vividas, de escolhas que transcendem ao indivíduo e que o marcam, formam, moldam, identificam. E é na identidade que ambas as questões se encontram. Não que isso se torne mais fácil de explicar.

 

Mas o que é identidade? Há quem defenda que é  produto dos processos históricos e culturais vivenciados pelo indivíduo.

 

Há quem diga que o conceito passa por um processo de relativização, consequência da globalização que desvincula lugares, regiões e territórios históricos da sua cultura e manifestações típicas. Nesta perspectiva, cabem aos agentes sociais, população, o esforço para perpetuar seu modo tradicional de viver.

 

desenvolvimento

 

De todo modo, a identidade é o resultado das relações entre o homem e o meio, da cultura que a molda para dar sentido à experiência no mundo e às escolhas identitárias. Por isso, causa impactos no território onde se desenvolve, reforça as normas, valores e comportamentos compartilhados pela sociedade localmente. São também os sentimentos de identidade que determinam, em nível local, um apego à paisagem e ao território.

 

Logo, o desenvolvimento também se sustenta na capacidade da comunidade valorizar o território e seus recursos.

 

De acordo com o professor e pesquisador da Universidade do Contestado, Valdir Roque Dallabrida, defende que o desenvolvimento, aquele que busca melhor qualidade de vida para a população, é um processo de mudança estrutural realizado por uma sociedade organizada territorialmente e que se sustenta na valorização de seus recursos e ativos, sejam materiais ou imateriais. Pode-se pensar, portanto, que o reconhecimento de uma indicação geográfica é a síntese da relação entre a identidade e o desenvolvimento territorial.

Para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o registro de indicação geográfica é conferido para produtos ou serviços característicos de seu local de origem, que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os dinstinguir em relação aos similares disponíveis no mercado.

 

Eles são produtos de qualidade única, seja pelos recursos naturais, seja pelo clima que os dá origem, seja pelo conhecimento de quem o faz.

 

Este reconhecimento pode vis sob a forma de Indicação de Procedência (quando carrega o nome de uma localidade conhecida como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto) ou Denominação de Origem (quando se envolvem qualidades ou características que se devem ao meio geográfico, incluindo fatores naturais e humanos).

 

Indicações Geográficas de Santa Catarina

 

Em Santa Catarina, encontram-se várias indicações geográficas. A primeira delas foi o Vinho dos Vales da Uva Goethe, seguida pela Banana da Região de Corupá e pelo Queijo Serrano dos Campos de Cima da Serra. Em seguida, veio o reconhecimento da IG Vinhos de Altitude de Sana Catarina, na modalidade Indicação de Procedência e a Denominação de Origem do Mel de Melato da Bracatinga. Em 2021 foi a vez da Denominação de Origem para a Maçã Fuji de São Joaquim.  

 

 

VINHO

 

O caso do vinho, saúde!

 

Por alguns anos, pesquisadores argumentaram que a demanda religiosa do vinho poderia ser uma justificativa forte o suficiente para atribuir à Igreja a responsabilidade sobre a proliferação dos vinhedos nas Américas.

 

Mais lógico seria afirmar que o vinho seguiu os europeus durante a conquista do Novo Continente, independente dos rituais religiosos, afinal, tal demanda poderia ser suprida pelas Coroas de Portugal e Espanha sem significar incrementos muito grandes na produção.

 

De acordo com a pesquisa realizada por Gil Karlos Ferri (UFSC), mas colônias portuguesas, como é o nosso caso, o responsável pela introdução da videira segundo a literatura foi Martim Afonso de Souza, que inseriu as primeiras cepas na capitania de São Vicente (atual estado de São Paulo) em 1532. Brás Cubas, membro da expedição, tentou plantá-las perto de Cubatão, mas não acertou o clima. Por volta de 1551, ele insistiu no cultivo na região do planalto, especificamente na Vila de Piratininga. Nascia o primeiro vinhedo brasileiro. Já no século XVII, com a chegada dos jesuítas na região das Missões, a vitivinicultura foi impulsionada no Sul do Brasil, através da introdução do cultivo feita pelo Padre Roque Gonzales de Santa Cruz.

 

VINHO HISTORIA

 

Com uma produção considerável, aconteceu em 1640 a primeira degustação orientada no Brasil, um evento relatado na primeira Ata da Câmara de São Paulo, com a intenção de padronizar os vinhos para comercialização. E conforme a colonização avançou, especialmente com os portugueses que ocuparam o litoral do Rio Grande do Sul, novas mudas foram trazidas das ilhas dos Açores e da Madeira.

 

A multiplicação dos vinhedos e das iniciativas de produção de vinhos no Brasil acendeu um alerta na Corte portuguesa, que proibiu o cultivo de uva no país em 1789 como forma de proteger a própria produção. A proibição, porém, cairia por terra menos de 20 anos depois, com a transferência da Coroa para o Brasil em 1808.

 

Para imitar os costumes da nobreza, brasileiros passaram a consumir a bebida durante as reuniões sociais e refeições como forma de ingressar naquele círculo de pessoas que tinha, com o vinho, uma relação cultural. Mas foi apenas no último quarto do século XIX que a produção vinícola nacional deu um salto, em muito impulsionado pela imigração italiana.

Conforme as áreas de cultivo foram ampliadas e a mecanização entrou em voga, vários produtores estrangeiros passaram a se instalar no país.

 

Em Santa Catarina, a partir de 1960 começaram os investimentos para o cultivo de variedades como Barbera, Bonarda, Canaiolo, Malvasia, Trebiano, Peverella e Moscato. Na década seguinte, o Programa de Fruticultura de Clima Temperado passou a fomentar variedades de uvas francesas como Cabernet Sauvignon, Merlot e Riesling.

 

Dos anos 1990 em diante, a abertura econômica forçou a mudança e renovação das vinícolas para concorrer com os produtos importados. Assim, do ano 2000 em diante, viu-se o investimento de empresários catarinenses na produção de vinhos finos no Planalto catarinense, amparados por pesquisas da UFSC e da Epagri. Para fortalecer a marca e seus produtos, os produtores fundaram a Associação Catarinense dos Produtores de Vinhos Finos de Altitude em 2005, que passou a se chamar Vinho de Altitude Produtores e Associados.

 

cerveja

 

Prost!

 

A origem da primeira cervejaria brasileira é fruto de controvérsias. Enquanto há quem defenda que a primeira foi instalada em Recife em 1637 pelo alemão Maurício de Nassau, que a trouxe desmontada da Europa, outras fontes alegam que o Diário de Pernambuco notificou o imperador em 1869 que o fundador da primeira fábrica de cerveja no Brasil foi Henri Joseph  Leiden, em 1842. Independente da versão, estatísticas da Imperial Colônia de Petrópolis, com data de 1846, indicam a existência de um cervejeiro entre os 303 imigrantes da colônia alemã de Petrópolis.

 

Alguns documentos indicam o início do processo de fabricação de cerveja na região de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, em 1836, por Georg Heinrich Ritter e em 1852, a primeira cervejaria de Santa Catarina foi fundada em Joinville pelo suíço Albrecht Schmalz.

 

Por aqui, os imigrantes europeus traziam, além das habilidades industriais, o principal mercado consumidor. Tendo Blumenau como centro cervejeiro, com 12 cervejarias no final do século XIX, as cervejas artesanais da época encontravam espaço no mercado pois sua alta fermentação compensava os custos do processo produtivo, mas com o processo de substituição de importações a partir da década de 1930, junto com a incorporação de máquinas frigoríficas que permitiam a produção de cerveja de baixa fermentação em escada industrial, firmaram as bases do setor que só cresceu nos anos subsequentes.

 

cerveja historia

 

Para a pesquisadora Silvia Cristina Limberger, nos anos 1930 já é possível identificar a concentração do setor em apenas tres empresas que nasceram da pequena produção mercantil: Cervejaria Antártica em São Paulo, Cervejaria Brahma no Rio de Janeiro e Cervejaria Continental no Rio Grande do Sul. Somando-se a elas a Cerveja Paraense, do Pará, tem-se o controle de 50% do mercado da época, 62,9% do capital e 47,3% da mão de obra.

Desde 2010 existem discussões relacionadas a uma solicitação de reconhecimento da IG para chope e cerveja artesanal produzidos na região de Blumenau, a partir de discussões do Núcleo de Inovação Tecnológica da Universidade Regional de Blumenau.

 

A discussão vem na esteira da crescente onda de produção de cervejas artesanais, que ultrapassou a produção de 1 milhão de litros em 2016, segundo dados da Associação das Micro Cervejarias Artesanais de Santa Catarina. Com o triplo do número de marcas e um investimento que ultrapassou os R$ 22 milhões na época da pesquisa, pode-se especular que o número atual seja ainda maior.

 

Por enquanto ainda existem desafios para conquistar o reconhecimento da IG de Chope e Cerveja Artesanal da região de Blumenau. Um deles é a delimitação geográfica, outro se refere às questões financeiras, outros ainda ao representante. Entretanto, pesquisas já indicam a possibilidade de reconhecimento da IG como forma de pautar o desenvolvimento local.

 

chimarrão

 

A erva pela qual se luta

 

Mais a Oeste, na Serra Acima, na região do Contestado, pode-se identificar ao menos duas Indicações Geográficas que, trabalhadas em conjunto com outras estratégias de desenvolvimento local, podem sustentar o crescimento. Dallabrida indica a possibilidade de reconhecer a Erva-Mate do Contestado ou Erva-Mate do Planalto Norte. Para o pesquisador, a proposta se encaixa no padrão de desenvolvimento de

Santa Catarina na medida que se localiza em uma área de complexos agroindustriais com interesses em produtos pouco valorizados localmente, mas com forte identidade paisagística e cultural e com escassa integração dos produtores. 

 

Em seu estudo destacam-se desafios como a pressão de empresas (inclusive multivacionais) para controle da produção, desconhecimento local dos potenciais da cadeia produtiva da erva-mate, desconexão dos grupos de investigação e falta de estudos sobre potencialidades de conversão das áreas remanescentes da Mata Atlântica em espaços multifuncionais, com padrões sustentáveis de exploração.

 

chimarrão historia

 

A erva e sua extração são naturalizadas como atividade do povo caboclo, aquele “caboclo mesmo”, contratado por empresas do Paraná ou de Santa Catarina para permencer trabalhando nos ervais durante a safra. Para a antropóloga Arlene Renk, a sazonalidade, a precariedade do trabalho, a remuneração por tarefa e o isolamento na mata durante o período da safra contribuem para que os ervateiros sejam estigmatizados como caboclos, mesmo que pertençam a famílias estrangeiras. A “luta da erva” se mostra como a única alternativa de rendimento financeiro aos caboclos dos ervais.

 

Assim, pleitear a reconhecer a IG da Erva-Mate do Planalto Norte ou do Contestado seria uma forma de lançar luz e valorização ao povo caboclo, povo tradicional de Santa Catarina, ultrapassando as fronteiras catarinenses com produtos, e agindo localmente com estratégias de desenvolvimento para o setor e quem atua nele.

 

Outras indicações ainda podem ser reconhecidas. Estudos recentes têm indicado cerca de 28 potencialidades de IGs no Estado, tais como a Quirera do Contestado, o Alho do Planalto Catarinense, a Laranja do Vale do Rio Uruguai e a Cachaça de Luiz Alves. Como parte da nossa cultura, vale a pena acompanhar e participar dos debates e movimentações acerca da delimitação e reconhecimento das IGs, afinal, o que está em jogo é a nossa identidade.

 


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