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Cigarro eletrônico: um novo vício


Vape, vaper, Pod, Mod, DEF, e-cigar, e-cigarette, vaporizador são alguns dos nomes do cigarro eletrônico. A moda entre os jovens no Instagram e TikTok tem preocupado especialistas a ponto de se tornar alvo de pesquisas em todo o mundo.

 

Com o aumento no consumo, especialmente entre os jovens, esta pode ser a porta para a criação da nova geração de adultos viciados em nicotina.

 

Fumar não faz mal, o que mata é o papelzinho. Quem nunca ouviu esse tipo de defesa para o hábito de fumar provavelmente não esbarrou com os bordões da atriz Maria Alice Vergueiro, estrela da obra de ficção "Tapa na pantera", que viralizou no YouTube quando os vídeos de humor não dependiam da música e ultrapassavam os três minutos de duração. Se você já desbravava o mato que era a internet em 2006 sabe que a personagem se referia à maconha e fumava cachimbo porque "o que faz mal é o papelzinho".  

 

CIGARRO

 

Antes da esquete, já havia se popularizado a lenda urbana de que o causador do câncer de pulmão era o filtro. A ideia não é totalmente errada. Ao observar o histórico da indústria, vê-se que os filtros foram projetados para evitar que pedaços de tabaco entrassem na boca do fumante e para manter os lábios úmidos, destinados especialmente ao público feminino com as clássicas ponteiras. Originalmente criados com cortiça, mais tarde com papel crepom, a produção industrial de cigarros com filtro foi desenvolvida em 1935. Para atingir o público masculino no período posterior à Segunda Guerra Mundial, e para responder aos dados científicos que apontavam os danos causados pelo fumo, a indústria investiu no desenvolvimento de novos filtros e no marketing. Algumas destas novidades incluíram o filtro com amianto utilizados originalmente pela marca Kent. Apesar disso, o marketing venceu.

 

Cigarros com filtro responderam a 90% do mercado nos anos 1980.

 

O foco na segurança, inclusive com o uso de imagens de médicos nas peças publicitárias, e na liberdade promovida pelo produto inspiraram pessoas do mundo todo a se sentir como o famoso vaqueiro da marca Malboro ou dirigir um carro de Fórmula 1. Desde a década de 1970, os filtros contém perfurações que permitem a entrada de ar e diluição da fumaça quando permanecem livres durante a tragada. A tecnologia também permitiu a criação de linhas de cigarros light e outras variações conhecidas por, supostamente, liberar menos nicotina e alcatrão e causar menos prejuízos à saúde do que os modelos sem filtro. Ponto para o marketing. 

Na prática, ao levar o filtro aos lábios ou ao segurá-lo com os dedos, a ventilação é bloqueada. Segundo a Associação de Defesa da Saúde do Fumante, "quando esses cigarros são submetidos à análise laboratorial, onde são fumados em máquinas de fumar, o teor de alcatrão medido pode aumentar em até doze vezes quando os furos do filtro são fechados pela máquina, simulando a compensação feita pelo fumante. Os teores atualmente informados nas embalagens de cigarros são quantificados através de análise laboratorial onde os furos dos filtros permanecem abertos na máquina de fumar, permitindo a diluição da fumaça".  A Associação aponta que a legalidade do tabaco é um erro histórico, "no entanto, sua existência milenar nas Américas, com ampla disseminação neste século, e seu poder de causar dependência tornam impossível a sua proibição".

 

Campanhas globais e políticas nacionais, como a proibição da propaganda, alerta nos maços, ampliação do acesso à informação, proibição de fumar em ambientes fechados e aumento no preço dos produtos derivados do tabaco contribuíram para reduzir o número de fumantes de 43,3% para 12,6% entre os homens no período de 1989 a 2015, e de 27% para 8,2% entre as mulheres no mesmo período.

 

Em um artigo publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia em 2018, o médico da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP, Ubiratan de Paula Santos, aponta que a reação da indústria diante da proibição de aditivos flavorizantes e da tentativa de imposição do maço de cigarro genérico (com cor única, sem quaisquer elementos gráficos ou decorativos, texturas ou relevos) veio com a oferta de alternativas ao consumo do cigarro tradicional. Nascem os cigarros eletrônicos e aquecidos, que oferecem nicotina aquecida ao usuário com o apelo de auxiliar na redução do vício, de possuir menos substâncias cancerígenas e ter menor potencial para causar problemas pulmonares. 

 

CIGARRO eletronico

 

Os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) são utilizados para inalar um aerossol (normalmente com nicotina, aromatizantes, aditivos de sabor, etc.) operados por uma bateria. Em termos de design, podem ser similares aos cigarros tradicionais, charutos ou cachimbos, canetas ou pen drives, como os mais modernos.

 

Sua invenção é atribuída ao farmacêutico chinês Hon Lik, em 2003, depois de perder seu pai para o câncer de pulmão. Mas há quem vá mais longe.

 

Na tentativa de criar uma tradição que conecte os hábitos atuais com tempos imemoriais, há quem propague a ideia de que os cigarros eletrônicos modernos são vapores.

 

Vapores que no Antigo Egito provinham de ervas dispostas em pedras quentes e passaram aos primeiros narquilés no Oriente Médio e Índia. Estas seriam as inspirações para o "vape" moderno.

 

As raízes longínquas servem para cristalizar ideias e fundamentar os sistemas dos objetos criados no presente como algo dado, natural, cultural - portanto, parte da sociedade (aceite e lide com isso), imutável, cuja proibição seria culturalmente inaceitável.

Sua popularização na Europa e em outros países como o Brasil passou a acontecer alguns anos depois, em um limbo regulatório entre a proibição do fumo em ambientes fechados de uso coletivo e a falta de estudos clínicos que medissem seu impacto.

 

Mesmo sem comprovação científica, os fabricantes, pequenos e sem tradição no ramo, espalhavam a palavra: os eletrônicos são mais seguros do que os cigarros tradicionais e não criam fumantes passivos.

 

Em 2009, a Anvisa proibiu a comercialização, importação e propaganda de cigarros eletrônicos no país.

Não adiantou. O mercado brasileiro é imenso. E em um país onde 19% dos alunos com idade entre 13 e 15 anos já experimentou cigarros convencionais e onde este mesmo número se eleva para 29% para a população com idade entre 16 e 17 anos, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, realizada pelo Ministério da Saúde em 2016, não basta proibir.

 

A proibição sozinha, luta contra a vontade que o adolescente tem de transgredir as regras, contra a influência dos amigos, contra a facilidade de acesso e contra a glamourização do produto nas redes sociais. O que pode barrar o consumo é o preço.

 

Uma pesquisa rápida no Google indica facilmente pontos de venda locais ou canais de ecommerce onde os cigarros eletrônicos podem ser adquiridos com uma variação de preços que parte dos R$ 60 e pode ultrapassar os R$ 500. Um Kit Iniciante com Mod, atomizador, bobinas, ferramenta de bobina, tubo de vidro, cabo USB e peças sobressalentes pode custar o equivalente a uma cesta básica. A duração do produto dependerá da capacidade do modelo e dos hábitos do usuário, já que é possível regular tanto a quantidade de nicotina quanto de fumaça expelida em cada vapor.

 

Usuários interessados em brincar com a "arte da fumaça", especialmente para publicar em forma de vídeos no TikTok acabam consumindo o produto mais depressa.

 

CIGARRO eletronico1

 

 

Através da ferramenta Google Trends, identifica-se uma crescente popularidade de termos como "cigarro eletrônico" e "vape" nas buscas brasileiras dos últimos 12 meses, sendo o pico de popularidade em janeiro de 2022.

 

O volume de buscas em Santa Catarina acompanha a estatística e indica maior interesse pelo termo "cigarro eletrônico" nas cidades de Balneário Rincão (1º lugar), Bombinhas (2º), Guaramirim (3º), Pinhalzinho (4º) e Garopaba (5º). Em sentido Oeste, Curitibanos ocupa o 9º lugar, Caçador fica em 11º e Videira em 14º. Já para o termo "vape", Videira garante o 1º lugar, seguida por Indaial, Balneário Barra do Sul, Itapoá e Caçador.

 

Ainda em consulta ao Trends, ao retroceder cinco anos, pode-se ver uma tendência ao aumento da relevância dos termos durante o ano de 2020, o que coincide com o início da pandemia de Covid-19.

 

Durante o período pandêmico, uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz identificou um aumento de 34% no consumo de cigarros no Brasil. Culpa da Covid, mas não completamente. 

 

Estudos do Forum of International Respiratory Societies (FIRS)  indicam evidências do crescente uso de cigarros eletrônicos pelos jovens com potencial para se tornar consumidores regulares de produtos de tabaco e dependentes de nicotina. Some a isso a reduzida percepção dos riscos e tem tudo para significar um aumento no número de fumantes no país.

 

CIGARRO eletronico2

 

Uma pesquisa publicada no Jornal Brasileiro de Pneumologia em 2018 ainda identificou que 37% dos universitários do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre conhecem os cigarros eletrônicos, 2,7%  já havia experimentado e 0,6% fazia uso regular. Já estudos canadenses revelam a ampliação do uso combinado (cigarro eletrônico + cigarro convencional).

 

Com a propaganda direcionada pelos influencers, o público adolescente voltou no tempo.

 

O cigarro saiu de moda. Entrou o primo rico, que não cheira mal e nem é para todo mundo. Como objeto de consumo, o questionamento sobre seus malefícios fica de lado para dar espaço à naturalidade. O vape atinge um público que (ainda) não viu pais, familiares ou amigos morrerem por câncer de garganta ou pulmão, por isso, o consome como qualquer outro objeto pessoal. 

E isto não vai parar tão cedo. Enquanto a indústria do tabaco luta para derrubar a proibição da Anvisa, adultos que lembram da ala para fumantes nos locais fechados são seduzidos pelas promessas de contenção de danos e da ajuda para abandonar o vício.

 

Enquanto o consumo de cigarro aumenta, fruto do adoecimento da sociedade, jovens descobrem uma alternativa aparentemente saudável, sem cheiro e com vários sabores para aliviar a tensão.

 

Enquanto a solução não vem de cima, cabem aos poderes locais e famílias relembrar as campanhas antitabagismo que víamos com frequência para não viver para ver uma nova lenda urbana surgir: o que eletrônico não faz mal, o que mata é o tradicional.

 


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