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Desculpe, não falo com robôs


Se você é uma daquelas pessoas que consegue receber um atendimento eletrônico na hora de resolver algum problema sem torcer o nariz, considere-se um ser humano raro. Poucas coisas frustram mais os consumidores do que precisar digitar 1 para isto e depois 2 para aquilo e depois 7 para tentar resolver o problema. A gente quer, no mínimo, falar com alguém e o atendimento eletrônico, mesmo com Inteligência Artificial, ainda não é alguém.

Eu gosto de telemarketing. Calma, não pense que eu gosto de receber aquelas ligações das operadoras telefônicas vendendo serviços ou planos! Mas gosto de, quando preciso de um serviço, conversar com as pessoas e ouvir, especialmente, seus sotaques maravilhosos. Certa vez, uma tendente soletrou meu sobrenome dizendo: Z de zebra, A de amor, T de Teresina duas vezes e A de amor de novo. Eu diria T de tatu, porque um tatu é muito mais próximo de mim do que Teresina, mas a capital do Piauí faz muito mais sentido àquela atendente com sotaque nordestino. O caso é que eu não consigo me lembrar porquê conversei com ela, mas a lembrança do que disse me rendeu uma história que nenhum serviço gravado poderia proporcionar.

Mesmo que estejamos fascinados com as possibilidades da inteligência artificial, que já não é nova, mas se aproxima de nós a cada dia, não podemos esquecer que somos humanos. E como humanos, somos seres sociais que precisam de contato. Há um quê de verdade nos beijos das mães que curam as feridas, da mesma forma que o contato como um segurar de mãos pode reduzir a aversão a estímulos dolorosos. Isso significa que a sua mãe segurava a sua mão no momento da vacina porque estava completamente convencida da ciência por trás desse ato: te deixar o mais confortável e seguro possível. Se isso é tão humano, um aprendizado passado de geração em geração, o que explica que algumas empresas tenham distanciado tanto os humanos dos clientes? 

A pesquisa de Adam Waytz, publicada na Harvard Business Review, aponta que concentrar produtos e serviços em torno da interação humana pode oferecer uma oportunidade de gerar um grande valor socioeconômico. A concepção do que é ser humano parte de dois pontos fundamentais: a capacidade de sentir e a ação intencional. A intenção é crucial para que as pessoas associem a ação ao propósito ou sentido da compra. E se você leu a nossa última matéria de capa (confira a edição 92) sabe que os consumidores têm buscado produtos cada vez mais adequados às suas necessidades.

Veja por você mesmo. É preferível utilizar uma cadeira de massagem quando um humano controla o aparelho ou quando tudo é automático? Embora estejamos cada vez mais conectados, buscamos constantemente meios diferentes de socialização fora dos apps porque precisamos de pessoas ao nosso redor. Mais do que isso: acreditamos no que as pessoas dizem. Por isso compramos o produto indicado pelo youtuber e pelos diversos influenciadores que existem na mídia. Algumas pesquisas como as de Kurt Gray apontam que as pessoas preferem o sabor de doce que outras selecionaram para elas intencionalmente do que quando essa escolha é aleatória, algo explicado pela nossa crença de que o outro compreendeu nossas preferências ou quer nos surpreender. 

Nessa mesma linha, pesquisas acadêmicas e de mercado têm indicado que os consumidores estão mais dispostos a pagar valores mais altos por produtos como cartões comemorativos, joias, lenços e facas feitas à mão, ao invés dos produzidos em escala, por acreditarem que os manufaturados têm uma espécie de amor intencional. É a magia da personalização que aumentou a demanda por produtos artesanais em detrimento da produção em massa.

Diretamente ligada à intenção está outra percepção importante para agregar valor ao que vendemos: o empenho. Isso tem a ver com uma tendência conhecida como “heurística do empenho”. Heurística é o processo cognitivo empregado em decisões não racionais, definida como uma estratégia que ignora parte da informação para que a escolha seja mais fácil e rápida. Quando aplicada às relações de compra, demonstra que o empenho empregado na criação de um produto, prestação de um serviço ou resolução de um problema, pode aumentar as chances reais de venda e o valor agregado. Na primeira vez que essa ideia apareceu nas pesquisas, foi possível ver que apreciamos mais um poema, pintura ou brasão quando sabemos que o objeto foi produzido com mais empenho por parte do autor. O artista se doa na criação, logo o valor aumenta.

Nessa mesma linha de pensamento, a autenticidade é o terceiro ponto de análise para compreendermos como o toque humano tem sido importante para balizar nossas decisões. É a autenticidade que nos faz passar meses na fila de espera do restaurante de um chef badalado para provar uma lasanha – porque não é qualquer lasanha, é a lasanha daquele chef! É a autenticidade que nos faz desejar um Rolex, que fornece um certificado de autenticidade na hora da compra. Mas vamos voltar à vida real das pessoas que dificilmente comprariam um Rolex. Uma excelente forma de criar esse sentimento nos consumidores é enfatizar o envolvimento humano no produto.

Produtos artesanais, negócio familiar são capazes de agregar valor ao produto justamente por se contrapor às inteligências artificiais e focar no básico: humanos pensando em humanos. Humanos que querem mudar a vida de outros humanos. Às máquinas, muito obrigada, mas prefiro falar com gente.


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