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Organize suas leituras


Muitas editoras disponibilizaram dezenas de livros gratuitamente durante a  quarentena. Você também tem a sensação de que vai precisar de três vidas para ler tudo o que baixou? E mesmo agora que o comércio já voltou a funcionar, segue namorando aquele livro que queria comprar há algum tempo, ou aquele outro que te chamou atenção somente agora. Até no whatsapp a tentação pelo livro novo chega diariamente. E agora, como você vai ler tudo isso? 

Todos criam alguma rotina de leitura, mesmo que façam isso sem perceber. Há quem lê no banheiro e aproveita para colocar um revisteiro, estante ou um lugarzinho especial para deixar os livros à mão. Há quem prefira ler na sala, na sacada, ou ainda quem lê na cama, antes de dormir. A gente lê porque desenvolveu esse hábito, porque algum tema nos chama atenção, porque temos atividades para fazer, porque a sinopse ou as críticas foram interessantes, porque a capa nos convenceu. E já que gostamos desse negócio que é a leitura, decidimos fazer uma breve pesquisa para conhecer alguns dos hábitos dos nossos leitores.

De tempo em tempo, pipocam nas redes sociais algumas sugestões de desafios de leitura sobre um determinado tema ou com relação a algum mês específico. Já tivemos o desafio de Literatura Negra em novembro (que evoluiu para um desafio anual em 2020), o desafio Abril Indígena, o Leia Mulheres, etc. Alguns, a exemplo desse último, evoluíram para grandes projetos e se tornaram clubes de leitura que agrupam pessoas dispostas a manter ou adquirir o hábito de ler, contando com a curadoria dos organizadores para sugerir leituras para o grupo e mediar as discussões sobre a obra. Algumas celebridades atuam nessa onda, tais como Oprah Winfrey, que começou com indicações de leitura em seu programa e reformulou o clube em 2012 para focar em redes sociais e plataformas digitais; Emma Watson (eu não esperava menos de você, Hermione); e outros como Duncan Jones, que compartilhou a lista dos 100 melhores livros lidos por seu pai David Bowie, Florence Welch, e até Barack Obama. Os novos clubes também fizeram crescer os olhos de autores e editores em busca de uma alavancagem nas vendas.

Inspirados, inclusive, por clubes de assinatura, milhares de pessoas passaram a ler com base nas metas do grupo. Cientes ou não, criaram metas para ler em um determinado período. As metas pessoais ou do grupo de leitura são realidade para 37,1% da amostra pesquisada. 

Outros dados interessantes que descobrimos é que mais de 50% das pessoas mantém uma lista de leituras e 10% acompanha seu progresso com aplicativos como o Cabeceira (TAG Livros) que está nos celulares de 45,8%, o Skoob para 18,8% e o próprio Kindle (Amazon) preferido por 4,2% pela facilidade com que organiza a biblioteca e as leituras atuais. Menos popular na nossa amostra foi o app Goodreads. E parte do público que falou conosco ainda prefere utilizar o bloco de notas ou fazer listas manuais em cadernos ou agendas.

 

Mas por que isso é importante?

Conhecer os hábitos dos leitores é fundamental para os integrantes da cadeia do livro, especialmente agora. A pesquisa apurou que a maioria (77,4%) das pessoas costuma guardar seus livros em uma estante, o que indica obviamente uma propensão à compra de exemplares físicos. Esse dado é reforçado pelos já citados 4,2% que monta suas listas de leitura no Kindle. Ainda somos apegados ao papel e esse público nunca deixará de ser. Isso não significa que não possa haver uma migração para o digital ou para plataformas de audiolivro, mas talvez esse processo demore um pouco mais do que com outras fatias do mercado.

Outro dado relevante diz respeito à compra. A maior fatia da pesquisa (65,6%) assume que costuma comprar livros novos antes de concluir o que lê no momento. E por livros novos, entendemos não apenas aqueles exemplares que acabaram de sair das livrarias, mas todo universo de livros ainda não lidos, seja comprado em livrarias de usados, sebos, supermercados ou livrarias convencionais (físicas ou online).

Há quem diga que os ventos estavam muito favoráveis para o mercado do livro no período anterior à pandemia. Sinceramente, lembro dos índices e ainda tenho dúvidas. O mundo do livro físico viveu maus bocados nos anos anteriores, especialmente com o fechamento das grandes redes de livrarias. Provavelmente muitas dessas pessoas que compram antes de concluir a leitura não conseguiram resistir à tentação de fazer ao menos um dos 746.915 downloads de livros disponibilizados gratuitamente pelas editoras durante a quarentena. E também é provável que muitas delas tenham, através disso, o seu primeiro contato com livros digitais – quem sabe seja o primeiro de muitos. Espera-se um crescimento desse mercado em função da pandemia, mas também em decorrência dos menores custos de produção do material e da logística facilitada. 

 

A Geração Z não lê na internet, mas pode ler mais do que você

De acordo com um artigo da Dra. Eliza Filby, escritora, radialista e acadêmica, publicado no portal The Book Seller em 2017, a geração de jovens nascidos depois de 1997 tem seu modo de consumo de mídia resumido por “Pisque, compartilhe, ria, esqueça”, com uma atenção média de apenas oito segundos. Diante desse tipo de observação, poderíamos muito bem tecer comentários sobre como a tecnologia tem estragado a juventude e a transformado em uma legião de seres desatentos, incapazes de se concentrar. O problema é que esse tipo de observação não é nem um pouco nova e já foi direcionada para os jovens que cresceram com tecnologias como a televisão e o rádio e recentemente com o computador e o videogame. Não estaríamos nos comportando como aquelas pessoas estereotipadas que nos chamavam de geração perdida porque gastávamos nossas horas jogando Atari? 

A incompreensão sobre os hábitos da nova geração, especialmente quando ela ingressa no mercado de trabalho, decorre do medo. Temos medo do que os jovens dominam. Sua aptidão para novas tecnologias e para definir o que é relevante ou não encurta tempos e aumenta as distâncias entre usuários e marcas incapazes de agradá-los. Isso nos leva à questão principal: como eles leem? De acordo com a Dra. Filby, a Geração Z passa em médias seis horas diárias nos seus smartphones e os utiliza para contar suas histórias e narrativas sem depender da indústria editorial, que demora no mínimo 18 meses para lançar um livro e envolve muitas pessoas e processos. A autopublicação é uma solução diante da sua necessidade - não de falar - de ser ouvido. Eles ouvirão a nós e aos seus pares quando as histórias forem relevantes, mas farão isso sem a necessidade dos mediadores tradicionais. Por isso, essa geração usa e abusa de plataformas como Whatpadd, que permitem a criação de um público antes mesmo que uma editora se interesse pelas suas criações. Se você não acha isso possível, lembre-se do início da carreira do Justin Bieber.

A indústria do livro pode (1) optar por meios alternativos de narrativas, a exemplo dos thrillers de suspense em forma de mensagens de texto ou audiobooks (2) dedicar atenção às plataformas de autopublicação e (3) continuar investindo em livros físicos. Apesar de passarem muitas horas ligados na internet, a Geração Z não se considera uma leitora digital e tem sobre o livro a mesma sensação que a Geração Y tem com o vinil, as máquinas de escrever e outros produtos retrô. Eles consumiram Jogos Vorazes de todas as formas possíveis e não deixarão de ler uma obra que estreou no cinema, mas isso, embora a indústria já saiba, tende a ser varrido para de baixo do tapete ou ridicularizado com a falsa premissa de que a literatura comercial  ou livros YA não são literatura. Com mais dedicação para compreender que tipo de narrativa, personagens, enredos, twists, formas, meios, etc., são bem-vistas por essa geração, editores, livreiros e clubes de leitura certamente conseguirão atender o novo público e quem sabe mostrar para o resto de nós que a leitura deve ser um prazer e não uma habilidade adquirida.


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