O Ouro Branco
Mal tinha respirado e ele corria por sua garganta. Era quente e liquido. Era sem nome em um mundo onde as coisas deixam de ser coisas quando se tornam substantivos que por sua vez se aproximam de adjetivos e atraem os verbos perfeitos e imperfeitos e que nunca serão capazes de expressar literalmente aquilo que satisfazia sua fome. Era um sabor quente e um cheiro liquido. Não sabia que precisaria dele para começar a caminhar pela vida. Nem imaginava que a continuidade da caminhada para aqueles que produziam também dependia dele. A vida que respira, em maior ou em menor escala, por vezes distante ou talvez bem próximo, é saborosamente quente e aromaticamente liquida como o leite.
Mais de 3 bilhões de litros de leite são produzidos anualmente no oitavo menor estado brasileiro. Com 1,2 do território da nação, Santa Catarina desvendou em 2016, o estado de Goiás, para ocupar a quarta colocação entre os maiores produtores de leite do país. Atrás de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, Santa Catarina foi a única unidade federativa entre os cinco primeiros lugares que apresentou crescimento da produção em 2016 e contribuiu para que a Região Sul some uma produção de 8,1 bilhões de litros sem considerar o leite produzido e consumido nas propriedades, que se aproxima de 25% do total.
A nova estrela do agronegócio desloca a expectativa dos produtores de receber apenas ao final da colheita para que seja possível lucrar todos os dias, faça chuva ou faça sol. De acordo com o gerente da Estação Experimental da Epagri em Campos Novos Humberto Bicca Neto, engenheiro agrônomo com MBA em Pecuária Leiteira, o estado se destaca pela elevada taxa de crescimento da produção de leite, que apresentou um crescimento médio de 9,8% ao ano nos últimos 10 anos, levando sua representação a evoluir de 5% em 2014 para 9,2 da produção brasileira em 2016. “Crescemos 1,76% de 2015 para 2016, mas é a região Oeste a responsável por 75,1% do leite catarinense, concentrando-se em pequenas propriedades de agricultores familiares e representando uma importante fonte de renda no meio rural. O setor gera e distribui renda ao longo de toda cadeia produtiva, envolvendo mais de 40 mil produtores e milhares de empregos em Santa Catarina, onde a pecuária está baseada em sistemas tradicionais de produção”, explica o engenheiro agrônomo.
O sistema produtivo tradicional é caracterizado pela baixa produtividade e rentabilidade, uma consequência do uso de pastagens de baixo potencial produtivo e me menor qualidade, do alto uso de concentrados e conservados, da utilização de animais de baixo mérito genético, pequena escala de produção e com altos custos. O cenário é tão perceptível quanto a mudança. “É possível aumentar consideravelmente a produção de leite e carne por área (produção por hectare), com aumento de renda por área e reduzir custos de produção para viabilizar econômica e ambientalmente as atividades pecuárias. De quebra, também se viabiliza a permanência dos agricultores familiares na atividade. O uso de sistemas de produção baseados em pastagens perenes de alto potencial produtivo, manejadas de forma adequada, com recursos genéticos adequados aos sistemas de produção a base de pasto, permite obter alta produtividade por área, com menor dependência de recursos externos e propriedade, minimizando os impactos ambientais”, defende Humberto.
Esta alteração na condução de produção, porém, exige o conhecimento da realidade das propriedades leiteiras de Santa Catarina, a especialmente do Oeste. A menos que você tenha aportado na região há poucas semanas e desconheça as principais características das propriedades rurais locais, haverá de concordar que imperam as pequenas propriedades, gerida pela agricultura familiar, resultado de um processo histórico-social de colonização e ocupação. Humberto defende que os mais de 3 bilhões de litros produzidos anualmente são comercializados por mais de 40 mil propriedades, sendo que “90% delas tem área menor que 50 ha e se estratificarmos mais veremos que 80% delas tem menor que 20 ha. Mas a maior parte do leite catarinense é comercializado para outros estados em diversos lácteos. Estima-se que mais de 60% do leite produzido aqui tenha como destino os outros estados brasileiros. Além disso, mais de 75% da produção é destinada à indústria de grande e médio porte e o restante atende os mercados locais através de industrias menores que possuem, muitas vezes, produtos diferenciados”.
É possível afirmar, portanto que as pequenas propriedades vêm especializando e profissionalizando sua atividade. Some-se a isto o clima favorável para crescimento e desenvolvimento das pastagens, que predispõe uma das maiores capacidades de produção de matéria seca por hectare por ano do mundo e teremos um alimento abundante e barato na forma de pastagens de alto potencial nutritivo como base da alimentação de rebanhos leiteiros.
“Pensando na importância econômica da pecuária para o Estado e para os agricultores familiares como, no seu potencial econômico e nas características de distribuição de renda e geração de empregos, a Epagri desenvolve o trabalho com Unidades de Referência Técnica desde 2010, promovendo o acompanhamento técnica e econômico de propriedades difusoras de conhecimentos nas regiões onde estão inseridas. Ao todo, temos 247 propriedades presentes em 70% dos municípios catarinenses, acompanhados por extensionistas mensalmente porque sabemos que a capacitação técnica gerencial é um fato fundamental para assegurar a permanência dos agricultores familiares no processo produtivo, fortalecendo a organização ao longo de toda a cadeia produtiva com o objetivo de melhorar a eficiência e a produtividade, reduzir custos, agregar valor e melhorar as margens de lucro e apropriação de renda. Assim, a criação do Centro de referência Tecnológica em produção de leite à base de pasto – CRT Leite tem como objetivo desenvolver tecnologias sustentáveis, capacitar técnicos, estudantes e produtores rurais. Já estamos na fase final da implantação e até o momento realizamos quatro capacitações. A programação envolveu conhecimentos teóricos e práticos nos temas relacionados à produção de leite, agregando saberes para as 126 vagas preenchidas por técnicos, estudantes de graduação e agricultores de várias regiões. Mais capacitações estão programadas para o ano, incluindo um Dia de Campo em novembro”, esclarece Humberto.
Ainda de acordo com o engenheiro, “foram implantados 21 há de sistemas de piquetes com cercas elétricas adequadas; rede de água e sombra para atender ao bem-estar do animal; 7 há de pastagens perenes plantados mais 14 ha. Assim, ao final da implantação do CRT Leite teremos 60 vacas leiteiras em uma área útil de 25,5 ha para produzir 15 mil litros de leite/há/ano da pastagem, descontada a parte produzida pela suplementação com ração. Os resultados técnicos e econômicos obtidos pelo CRT Leite poderão ser aplicados por qualquer produtor que queira se profissionalizar na atividade e obter o melhor retorno econômico”.
O LEITE EM SANTA CATARINA
3,8% Região Norte
8,7% Vale do Itajaí
2,4% Grande Florianópolis
6,9% Região Sul
3,0% Planalto Serrano
75,1% Região Oeste
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9,8% a.a. últimos 10 anos
60% do leite abastece outros estados
40 mil produtores
3 bilhões Litros/ano
75,1% do leite Catarinense vem da região Oeste
50 ha é a área máxima de 90% das propriedades do Oeste
20 ha a área de 80% das propriedades do Oeste
NA PRÁTICA
Todos esses indicadores fazem saltar aos olhos o potencial do leite catarinense. Mas a realidade depende de uma construção. Não foi da passagem da lua crescente para a cheia que Gilmar de Morais vislumbrou na produção leiteira o futuro da sua propriedade. “Começamos com o leite há 28 anos, com uma vaca e uma novilha. Plantávamos fumo, milho e feijão, e fazíamos queijo, mas depois de um ano passamos a entregar nove litros de leite por dia. Percebemos que, com ele a renda entrava todos os dias, mesmo que fossem as vezes mais, as vezes menos. Resolvemos investir no leite e agora sim plantamos milho para silagem e mais nada” conta Gilmar.
O produtor explica que tinha algumas cabeças de vacas e o desejo de ampliar a renda com o leite quando procurou a Epagri em busca de orientação. Através da parceria, traçou um projeto da propriedade e deu início a mudança. “Começamos em 2011, com 28 vacas que produziam 380 litros de leite. O projeto foi feito prevendo água nos piquetes, sombra, estabulo novo, esterqueira, tudo o que era preciso para os animais. Eu não tinha tudo planejado, mas, depois do projeto, definimos aonde queríamos chegar e graças a Deus tivemos objetivos definidos e até ultrapassamos a meta. Precisei comprar mais 8 alqueires de terras para suprir as necessidades dos animais”, diz.
O que começou com duas cabeças e progrediu para 28 de um salto com o planejamento conjunto. Em sete anos, a população de bovinos atingiu 148 cabeças entre vacas de lactação, novilhas, vacas secas e terneiros, com uma média de 80 vacas produtoras por ano responsáveis por uma produção de 50 mil litros/mês. Mas não foi somente com o projeto da propriedade que estes números cresceram tanto. Segundo Gilmar, a família participou de muitos cursos para compreender o que poderia aumentar a produtividade da propriedade. “Fizemos curso para entender mais sobre o piqueteamento, o tipo de pasto ideal para gado de leite, tipo de grama, como garantir a qualidade do leite, que produtos poderíamos ou não utilizar para a limpeza, entre outros. Também melhoramos a genética animal através da parceria com a Epagri. Foi só assim que chegamos aonde estamos hoje!”, declara. Com o apoio e união da família no gerenciamento da propriedade, Gilmar vislumbrou seu crescimento com a certeza de que o caminho trilhado segue em direção ao futuro. Os resultados obtidos com a sua propriedade vêm colaborar com a destacada ideia de que o leite é a nova estrela do agronegócio catarinense. E se os nossos rebanhos ainda são tradicionais, você pode imaginar como serão nos próximos anos diante da capacitação dos produtores e do planejamento adequado. Quem sabe, em breve subiremos mais posições no ranking de Estados produtores e, mais importante que isso, teremos mais qualidade de vida e distribuição de renda no meio rural.
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