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Lembrar o passado é um presente


Recuperar memórias. Escavar a fundo o que ficou esquecido e manter viva a história do que, de certa forma, foi a vida. Ao lembrar pelo presente, Joeli Laba mantém ativo os chá-chá-chá dos trens que circulavam sem ruído, mas com música que cadencia o ritmo dos pensamentos e facilita a compreensão. Compreender é simples: um ferroviário aposentado apaixonado pelas ferrovias.

 

Se você for ver em qualquer país desenvolvido as ferrovias estão funcionando porque representam um sistema de transporte de cargas muito mais eficiente do que as rodovias. Mas lá elas continuam sendo projetadas e melhoradas! Isso não aconteceu aqui”, explica Joeli tão logo demos início a entrevista, enquanto observamos seus álbuns cuidadosamente organizados.

Seu acervo particular encanta tanto quanto seu conhecimento sobre a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, aquela que corta o Meio Oeste, margeando o Rio do Peixe – esta que esta tão próxima de nós e que repousa abaixo de modernos parques. Página após pagina, os álbuns revelam páginas de jornais, fotocópias, fotografias e ilustrações autorais das estações que ligam Porto União a Marcelino Ramos. “Ninguém queria ser o responsável pela construção dessa parte da ferrovia. Os argentinos estavam de olho nessa região porque eles poderiam explorar a madeira e transportá-la pelos rios. O Brasil precisava liga o Rio Grande do Sul com Paraná e São Paulo de forma urgente como uma estratégia de guerra! O prazo era muito curto para a construção da ferrovia e o Achiles Stenghel foi o engenheiro que aceitou o desafio. Eles construíram uma estação a cada 50 km para facilitar o andamento do traçado, mas como o trem era o único meio de transporte de longa distância da região, foram se criando outras estações, distantes em média de 10 km, com seus desvios para cruzamentos de trens que trafegam em sentido oposto como uma forma de ajudar a população do interior. Assim, temos 35 estações em 372 km de estrada entre Porto União e Marcelino Ramos”, conta.

Joeli é a terceira geração de ferroviários que trabalhou na EFSPRG. Nascido em uma pequena casa ao lado da estação Uruguai, distrito de Piratuba, tem suas lembranças de infância fincadas nas margens dos trilhos. Com a transferência do pai de Caçador para a Estação Anhanguera, Joeli, com 15 anos, passou a dividir o quarto com o telégrafo e logo aprendeu a utilizá-lo. Não havia dúvidas de que, quando pudesse trabalhar, seria ferroviário. E foi assim que foi a Porto União prestar concurso contra outros 600 concorrentes, passando pelos primeiros testes psicológicos para a contratação. De seletiva em seletiva, Joeli avançou até a contratação que lhe permitiu trabalhar numa estação próxima à sua terra natal. “Eu tinha gostado muito de Caçador. Não queria ir para o Uruguai ou para outras estações pequenas. Por já ter morado aqui gostava muito da cidade. Então decidi mandar uma carta para a diretoria da empresa dizendo que gostaria de ir para Caçador quando houvesse a oportunidade. Alguns meses depois recebi o aviso de transferência para a surpresa de todos”, relata o ferroviário. Mas a transferência para uma estação onde haviam muitos idosos não ocorreu com tranquilidade. Joeli lembra de ter sofrido com as observações dos colegas de toda a região, que alegavam que ele era apenas um jovem contratado e que a transferência deveria ter vindo para outros ferroviários mais experientes.

Joeli não se abalou com os comentários. Não se abalou com a cidade. E antes que você pense que nada pode abalar aqueles olhos que, ainda hoje, observam a estação Caçador no fundo do vale, existem memórias amargas que o perturbam. Folheando seus álbuns com informações sobre a Southern Brazil Lumber and Colonization Company, ou com informações sobre os 100 anos de Caçador, com detalhes fascinantes sobre a fauna e a flora regional, ou ainda observando os detalhes das estações ao longo do Rio do Peixe, Joeli explica que vivenciou a falência da EFSPRG dia após dia. “Eu vi o tráfego diminuir todos os dias. Mas antes disso, vimos muita coisa boa. As trocas das linhas foram ficando mais eficientes, pois primeiro tínhamos que esperar o trem passar para liberar o outro em sentido contrário, então uma viajem de Caçador para Videira demorava cerca de 2 horas e meia. Depois que criaram estações com linhas duplas (desvios) reduziram o tempo de espera para cinco minutos! Só que a nossa ferrovia foi criada para trens pequenos e não para os trens de carga que são necessários hoje. Como a linha fica muito próxima dos barrancos em muitos pontos, um trem atual não vai conseguir passar. Veja, em Marcelino Ramos havia esse portal de trilhos usados que servia como um gabarito para a carga. Então os gaúchos só recebiam o que passasse por esse portal. Se não passasse, tínhamos que arrumar a carga, colocar em outro vagão, etc. Então o fluxo foi diminuindo e aí veio a privatização que acabou de abandonar tudo. Você sabe porquê? Porque alguns ramais não eram interessantes para a América Latina Logística, que ficou explorando só o filé das ferrovias de Santa Catarina e do Paraná, aquelas mais fáceis de transitar e conservar. Só que quem está gerenciando a rede ferroviária é o proprietário de uma frota de mais de 5 mil caminhões! ”, provoca Joeli.

Com a sabedoria de quem viveu, o ferroviário reúne materiais sobre as ferrovias há mais de 20 anos. Além dos álbuns, possui uma coleção com mais de 30 DVDs e documentários sobre as ferrovias, um deles parcialmente disponível no YouTube.


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