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Pequenas cidades, grandes oportunidades


As pequenas cidades voltaram à mídia com a pandemia de Covid-19. Honestamente, elas nunca saíram totalmente das notícias, mas como a pandemia evidenciou, a vida nos grandes centros urbanos pode ser extremamente desafiadora. Não é à toa que muitos destinos turísticos reacenderam pequenas cidades durante o período de retomada das atividades, afinal o interior é seguro, tem menos aglomeração e oportunidades diferentes das metrópoles.

 

oportunidades

 

Na literatura o fenômeno é o mesmo. Todos querem saber sobre a vida no interior. Ou querem lembrar. Seja qual for o seu objetivo, sempre haverá uma cidade do interior para chamar de sua e construir uma nova trajetória. 

 

Enquanto há algumas décadas era comum ouvir dos jovens seus planos sobre ir embora, seja para estudar, seja para morar, este índice vem diminuindo.

 

A percepção é empírica e vai na contramão de publicações recentes sobre o esvaziamento do Oeste, ou sobre a migração da população economicamente ativa para as regiões litorâneas do estado. E mesmo empírica, é facilmente comprovada. O que estes estudos, corretíssimos por sinal, não previram foi a ampliação do fluxo migratório de pessoas de outras nacionalidades para o Oeste. 

Uma pesquisa do Instituto CEPA/SC publicada em 2003 indicou a desruralização da região Oeste a partir dos anos 1990, depois de uma década de intensa urbanização e do arrefecimento do crescimento urbano. Segundo os autores, se a perda da população rural nos anos 1980 era compensada pelo aumento da população urbana na mesma microrregião, no início da década seguinte passa a se manifestar um deslocamento da população microrregional, especialmente rural, para outras regiões.  As cidades que conseguem concentrar e reter sua população pertencem às microrregiões que concentram o maior número de indústrias de transformação, como é o caso de Chapecó e Joaçaba. Na época, a pesquisa identificou que a economia regional era ditada majoritariamente por estas duas cidades, com fraca absorção de imigrantes em 41% dos municípios da região entre 1991 e 1996.

 

Se na década de 1980 e 1990 as cidades do Oeste não conseguiram absorver o contingente da força de trabalho vinda do campo, forçando-a a se deslocar para outras regiões do estado, hoje a situação se inverteu. 

 

A pauta do fluxo migratório para o Oeste de Santa Catarina diante da pandemia de coronavírus foi, inclusive, alvo de debates na Secretaria de Desenvolvimento Social. Segundo o Cadastro Único para Programas Sociais (CADUN) o estado abrigava 15.214 migrantes de 103 nacionalidades em dezembro de 2020, com um número significativo de imigrantes vindos das Américas, destacando-se países como o Haiti e a Venezuela.

Quando se procura por um novo lugar para morar, muitos fatores entram nesta equação. Morar em um lugar é fincar raízes. Criar laços, construir pontes. Mas para além da poesia, oportunidades de emprego, renda, moradia, transporte, estudo e qualificação representam a parte prática.

 

Com quase 20% dos estabelecimentos catarinenses, o Oeste empregava mais de 408.500 pessoas em 2020 segundo o Observatório da Fiesc, e manteve o saldo de empregos positivo no mês de fevereiro de 2022 com 4.018 vagas.

 

Apesar da queda brusca no saldo de dezembro de 2021, quando atingiu 8.248 negativo, o saldo de empregos no Oeste se mantém positivo desde janeiro, com a recuperação surpreendente das admissões no primeiro mês do ano.

Com a indústria responsável por uma participação de 41,83% no total de empregados,cidades como Chapecó, Concórdia, Caçador, Videira, Joaçaba e São Miguel do Oeste respondem respectivamente pelos maiores índices de empregados por município em todo o Oeste. As oportunidades na indústria tem atraído trabalhadores de todas as partes do país para a região, com a promessa de bons salários e benefícios. Some isto às chances de estudar e formar uma família e a receita está completa sem nem precisar de fermento.

 

ERALDO

"Aqui eu posso estudar e trabalhar"

Em busca de oportunidades Eraldo Nehemie Phanord, natural do Haiti, decidiu deixar o país.

 

"A ideia veio depois que concluí meu Ensino Médio e entrei na faculdade, ainda no Haiti. Eu só estudava lá, não trabalhava ainda, mas estava tentando tirar um visto de estudante na Argentina. Foi quando alguns parentes que já moravam aqui no Brasil me orientaram a vir pra cá, porque também conseguiria estudar se quisesse", conta o jovem de 23 anos.

 

Depois de conversar com os pais, Eraldo aportou no país.

Segundo a Polícia Federal, cerca de 93 mil haitianos entraram no Brasil entre 2010 e 2017. Intensificada depois do terremoto de 2010, a migração para o país faz parte de um processo de fortalecimento de laços e difusão da cultura brasileira intensificados a partir de 2004 com a importação haitiana de produtos de empresas brasileiras, maior investimento em propaganda, incentivos para trabalhar no Brasil e a fundação do Centro Cultural Brasil-Haiti (CCBH) em 2008. A propaganda de uma vida melhor com algumas facilidades e gratuidade de serviços (como escolas e atendimento do Sistema Único de Saúde) foi apontada pela pesquisadora e mestra em geografia Priscila Pachi como um atrativo para os imigrantes, mesmo que soubessem as dificuldades enfrentadas pelos seus compatriotas.

 

Outro motivo da imigração continuar em alta mesmo em períodos de crise política e econômica, especialmente depois de 2014, foi a omissão das informações sobre as dificuldades enfrentadas por aqui aos familiares, como forma de não frustrar os sonhos da família. Entre 2005 e 2014, mais de 20% do PIB haitiano foi representado pelo dinheiro enviado por imigrantes trabalhando fora do país.

 

Nos três anos em que está no Brasil, o jovem morou por quatro meses em São Paulo antes de se mudar para o Meio-Oeste catarinense.

 

"Há 2 anos e meio trabalho na Master. Consegui comprar um carro e continuar a estudar. Hoje faço curso Técnico em Eletrônica no IFC Videira e além dos estudos e do emprego, acho que o que me mantém aqui é o gosto pela cidade", conta Eraldo.

 

FREDERICO

"Aqui posso criar minha família"

No setor de serviços, de acordo com o Observatório da FIESC, fevereiro de 2022 apresentou um saldo positivo de 2.317 empregos e mantém um saldo acumulado no ano de mais de 2.800 empregos. Somente em serviços de saúde, o Oeste apresentou um saldo positivo para fevereiro com 117 empregos.

 

Em toda a região, a saúde agrupa mais de 80.000 empregados em aproximadamente 10.300 estabelecimentos, em sua maioria formados por microempresas. Porém, a concentração destes trabalhadores ainda se dá em grandes cidades como Florianópolis (14%), Joinville (10%), Blumenau (8%), Criciuma (5%) e Chapecó (4%).

 

A mudança destes indicadores depende, majoritariamente, de fatores como o acesso ao ensino superior e a criação de oportunidades para crescimento profissional. Com a crescente evolução da saúde, cabem aos gestores públicos e privados acompanhar as tendências do setor e promover aquele "algo a mais" para atrair e reter profissionais no interior. Muitas vezes, a solução pode ser mais simples do que se imagina.

Para o médico Dr. Frederico Pereira de Moura, especialista em patologias do coração, a qualidade de vida proporcionada pelas pequenas cidades é um legado a ser transmitido aos filhos.

 

"A tranquilidade, a segurança, o fato de conhecer bem a cidade e de querer que meus filhos tenham a mesma qualidade de vida que eu tive crescendo aqui foram fatores determinantes para a escolha de retornar a Videira", pontua. 

 

Aliado a isto, o crescimento visível da região promete trazer ainda mais oportunidades para o futuro próximo.

 

"Vemos um desenvolvimento interessante, edificações novas, comércios, acredito que esse é um processo natural da cidade. Conheço muitas pessoas que foram realizar sua formação fora e retornaram pela qualidade de vida. Ao mesmo tempo em que elas buscaram por qualidade, trouxeram na bagagem a sua qualificação, o que desenvolve o local e aumenta o seu atrativo", explica Dr. Moura. 

 

oportunidades tiago denardi

"Aqui posso contribuir para o crescimento"

Estar próximo da família e à frente dos negócios são dois fatores fundamentais para manter o empresário Tiago Denardi na região. Natural de Tangará, Tiago teve a oportunidade de cursar parte do Ensino Médio nos Estados Unidos antes de cursar a faculdade de Comércio Exterior em Balneário Camboriú, onde trabalhou em uma trading internacional e em empresas de logística.

 

"Só que a cidade onde eu morava tinha um custo de vida muito alto e uma chance de crescimento pessoal e profissional menor do que eu almejava na época", lembra.

 

Em Videira, Denardi criou muito mais do que raízes. 

De olho no mercado educacional, o empresário aproveitou a tendência de crescimento do IDHM em Santa Catarina para a educação para criar novas oportunidades com uma escola de idiomas pensada para realizar o movimento inverso às grandes franquias. Enquanto as franquias educacionais se consolidaram nas capitais e abrem mercado no interior, Denardi aposta primeiro no nicho de mercado parcialmente atendido por elas: o nosso sertão. 

Mais uma vez, o Observatório da FIESC fornece dados interessantes. O setor de educação em toda Santa Catarina agrupou 78.468 empregados em 2020, quase o total da área da saúde no Oeste no mesmo período, em um universo que se aproxima de 4.000 estabelecimentos. No Oeste, os 11.485 profissionais empregados se distribuem por cidades como Chapecó (35%), Fraiburgo (9%), Joaçaba (8%), Caçador (7%), São Miguel do Oeste (6%), Concórdia (6%), Xanxerê (5%) e Videira (3%). 

 

"Muitos tem a ideia de que precisam estar em cidades maiores ou capitais para crescer. Parte destas pessoas nem tenta criar algo na cidade. É extremamente importante dar oportunidade aos empresários que estão começando, pois temos muitas pessoas empreendedoras, inteligentes e com capacidade de fazer de toda região um polo empreendedor, com novas ideias e empresas capazes de tornar as cidades e a vida cada vez melhor", pontua Denardi.

 

De volta aos holofotes, cabe às (nossas) pequenas cidades planejar estratégias de crescimento que visem ao futuro. É este o principal dever dos seus gestores, moradores e contribuintes para que não voltemos aos anos 1990.

 


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