Permitir Cookies

Este site utiliza cookies para melhorar a experiência do usuário. Veja nossa Política de Privacidade


True crime: por que gostamos tanto?


Uma resposta simples e direta seria porque queremos entender melhor os seres humanos. Por que alguns de nós agem de determinada forma? O que os levou a agir daquela maneira? Quais foram as motivações? E ainda, será que se eu estivesse naquela situação, teria reagido da mesma forma?

Alguns estudiosos apontam que a fascinação pelo true crime começa com a influência das notícias sensacionalistas de crimes na mídia. Da mesma forma que conseguimos identificar uma bolinha branca em meio a 10 outras bolinhas amarelas, somos impelidos a não ignorar um acontecimento que foge do padrão. O incomum, o desvio da norma, nos intriga. Mas mais do que isso, somos atraídos para o que se mostra como uma transgressão. Psicólogos acreditam que as histórias de true crime nos dão a chance de encarar algo hediondo, que a maior parte da sociedade prefere ignorar: o homicídio.

Para além do fato em si, o ato de tirar a vida de alguém envolve a luta universal entre o bem e o mal, luzes e trevas, enganação e sabedoria, paraíso e perdição, o que remonta desde o princípio dos tempos. Somos atraídos por essa tensão desde a infância, quando consumimos mídias em que há mocinhos e vilões expressamente definidos, que servem como apoio pedagógico para compreender e moldar modos de ação: o que é fazer o bem, o que é fazer o mal. Essa narrativa simples deixa de ser tão atrativa quando crescemos e somos invariavelmente atraídos para a compreensão da zona cinzenta, em que os envolvidos não são essencialmente bons ou maus, mas humanos com formas de ver e agir diferentes. O conteúdo true crime aparece, então, como uma forma de provocar uma curiosidade fundamental: o que leva as pessoas a cometerem atos tão extremos?

Celebridades distorcidas

Pesquisadores têm apontado uma tendência para tratar serial killers e outros criminosos como celebridades quando um caso ganha muita notoriedade. Com a especulação midiática, a repercussão aumenta até se tornar um ciclo retroalimentado até o desfecho da história. Casos famosos acabam até virando marcas, gerando alcunhas aos criminosos, memes nas redes sociais, camisetas, piadas e brincadeiras. Parece loucura? Veja as imagens do Halloween de 2022 e do Carnaval de 2023 e você encontrará alguém fantasiado de Dahmer com facilidade. E se você nasceu no século passado, certamente vai se arrepiar ao lembrar desses nomes: Bandido da Luz Vermelha, Maníaco do Parque, Maníaco da Tesoura e as Bruxas de Guaratuba.

O sensacionalismo cria essas celebridades. Suzane von Richtofen já era uma celebridade antes de ter seu caso adaptado para o cinema. Seu nome é tão popular na cultura brasileira quanto o das artistas consagradas.

Sensação de grupo

Criminologistas apontam que estes casos que ganham notoriedade na mídia nos permitem conversar sobre eles em grupo. A indignação coletiva gerada pela crueldade ou estranheza de cada caso nos incita a fofocar, especular e sentir medo juntos em uma sociedade que busca o consumo de fortes emoções.

Quando um caso do passado é reavivado na memória popular através de um filme, série, livro ou podcast, somos estimulados a dar nossas impressões da época para aqueles que não viveram o momento. Falamos aos jovens sobre a indignação coletiva que assolou o país com o caso Nardoni, sobre o que sentimos quando vimos a notícia do assassinato dos Von Richtofen, sobre como lidamos com a frieza do caso Matsunaga quando as imagens das câmeras de segurança do elevador vieram a público.

True crime e o meio termo

Entretanto, enquanto o gênero se populariza no Brasil, especialistas também questionam o custo de popularizar o gênero. As vítimas, as famílias dos envolvidos, as pessoas afetadas por uma cobertura de imprensa sensacionalista, não podem apenas desligar o podcast e continuar sua vida normal. Enquanto estas são histórias de entretenimento para muitos, para outros são memórias. Para outra parcela da sociedade, ainda, são ideias e inspirações.

Então a indústria deveria parar de produzir? De forma nenhuma. O segredo é estar no meio termo para não usar a dor das vítimas em troca de entretenimento e lucro. Alguns casos até foram ajudados por esses conteúdos, como é o Caso Evandro. O podcast Projeto Humanos, que resgatou o caso de 1992 em 2017, produzido pelo jornalista Ivan Mizanzuk, observou conteúdos que não entraram no inquérito, logo não foram investigados na época. Gravações com indícios de tortura dos réus também foram revelados e se tornaram provas no julgamento da revisão criminal do caso. 

Mulheres e true crime: aprender para se proteger?

Algumas vertentes indicam o interesse em true crime como uma forma de proteção. Estudos de 2010 apontam que mulheres são mais atraídas pelo gênero do que os homens. Elas respondem por 75% dos ouvintes do podcast Modus Operandi, no Brasil. O número não diverge da tendência global evidenciada pela pesquisa da Civic Science, segundo a qual o público feminino responde pelo dobro de consumidores do gênero do que o masculino.

Explicações apontam que muitas delas são atraídas pelo medo de se tornar vítimas em histórias semelhantes. Parte desse público vê uma chance de aprender quais são os limites morais da sociedade, como identificar sinais de perigo e como se defender. Isto porque, de modo geral, estas histórias oferecem ideias do que fazer caso algo semelhante aconteça a partir do relato de sobreviventes ou por realmente projetar cenários do que poderia ter sido feito para evitar uma tragédia.

Estudos à parte, as mulheres buscam histórias de true crime não apenas para não virar estatística, mas também para inserir análises e discussões mais abrangentes sobre como é ser mulher na sociedade, como as pessoas podem ser condenadas sem provas, como a tecnologia pode ajudar (ou não) a solucionar um crime. Enfim, mais do que crimes, histórias de true crime são sobre pessoas. E como agimos com elas.


Matérias Relacionadas
COMENTÁRIOS

Permitir Cookies

Este site utiliza cookies para melhorar a experiência do usuário. Veja nossa Política de Privacidade