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O amor em oração


Em 1998 aos quatro aos quatro anos aprendi a rezar dentro da cabine de um Scania T 113H branco e vermelho. Repeti as palavras que meu pai dizia, lentamente e com muita atenção: “Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome...” antes de dormir. Depois disso toda a noite antes de me dar boa noite, perguntava: “Já fez tua oração? ” Eu fechava os olhos e falava baixinho palavra por palavra sem mesmo compreender o significado e sem entender quem sequer era esse tal de “Pai Nosso”. Quando perguntei, ele me disse que era Deus, pai de Jesus Cristo e que eles moravam no céu, deveriam ser os prefeitos de lá (a essa altura da vida o prefeito era a figura de maior autoridade que eu conhecia). Dentro da classe caminhoneira, a oração é uma constante e a fé é o que os mantém de pé. Todos os dias quando no relógio se marcava 18:00 horas, o rádio era ligado e o Grupo Comando da Liberdade estava a postos para ouvir a palavra do número 01, QRA Jesus Cristo, que com maestria puxava a oração e abençoava a todos com lindas palavras. Lembro de ter pensado: “Caraca jesus Cristo é caminhoneiro” Meu pai é amigo de uma pessoa muito importante. Quero ser amigo dele também, já que ele tudo sabe e tudo vê, vai que ele convence o meu pai a me dar um bichinho de estimação”. Nunca cheguei a conhecer o Jesus Cristo caminhoneiro, mas a semelhança entre esse mero mortal e o poderoso é bem clara: ambos pregavam o amor. E pelas estradas que percorríamos lembro de olhar para o meu pai durante a oração e ver que todo momento ele confiava nossas vidas, nossa família e a nossa viagem nas mãos de Deus e São Cristóvão, através das bonitas e singelas palavras do seu grande amigo Jesus Cristo.

Uma de minhas primeiras lembranças dentro da Igreja, foi quando aos oito anos fui escolhida entre muitos alunos para recitar um poema para o dia das mães. Durante a missa todos os alunos se colocaram nas escadas e eu li o poema. Não sei dizer se eles dançaram ou cantaram alguma coisa, porque meus olhos ficaram presos a grande imagem de Jesus Cristo crucificado que estava atrás de mim. Lembro de tê-lo olhado com tristeza e pensando quem poderia ter feito algo tão brutal, com alguém que parecia ser tão bondoso. Não me parecia justo estar declamando um poema tão bonito, para muitas mães sendo que alguém sofria ao nosso redor.

Cresci dentro de uma família tradicionalmente italiana, daquela que fala alto, ama comer quando estão todos juntos ninguém sabe se é briga ou festa. Dentro de todas as tradições o pilar da família sempre foi a religião, o Catolicismo estava enraizado em nossa arvore genealógica. Morando um tempo com meus avós aprendi a rezar o terço ajoelhada frente a Santa Juliana, todo o mês quando a capelinha chegava em casa. Quando eu tinha alguma dúvida perguntava ao meu avô sobre o que a bíblia pregava e ficava espantada ouvindo ele falar com tristeza que a juventude de hoje não era como a dele, que ia a missa toda semana a sabia tudo sobre a bíblia e seus ensinamentos.

Quando me dei conta de que Deus havia mandando Jesus para a terra e que permitiu que ele sofresse meu mundo caiu. Como poderia um pai ter entregado seu bem mais precioso a maldade humana? E o ponto alto para mim foi quando descobri que “Lucifer”, popularmente conhecido por “Diabo” era um anjo. Seria ele um traidor? Ou o inferno seria a terra? E Eva, por que raios foi comer a maça e se deixar levar pela cobra que todo mundo sabe que é uma falsa? As coisas não faziam sentido para mim. E por que queimaram as bruxas se elas não comiam mesmo crianças e só faziam chás e através de sua magia faziam justiça para gente ruim? Seria então a religião uma farsa no fim das contas?

Eu questionei a existência de Deus inúmeras vezes. O maldisse, duvidei do seu poder e testei sua paciência e seus poderes. Eu ri da sua cara e duvidei da sua capacidade. Gritei com ele quando pedi respostas e perguntei por que ele abandonava as pessoas boas e mantinha impune as ruins e não tive resposta nenhuma. O procurei em várias igrejas e culturas e não o encontrava. Eu sabia que era sensitiva, sabia sobre minha mediunidade e sofria muito sem poder trabalhar e ter em que acreditar. Foi então que a Umbanda cruzou meu caminho e me fez sentir em casa, fez sentir que meu propósito era só um, acho que nunca sorri tão genuinamente como quando me disseram que o que eu carregava era muito mais poderoso do que eu imaginava e que enfim conseguiria ajudar as pessoas.

Como eu não conheço todas as coisas desse mundo (e tenho muito orgulho em reconhecer isso) recorri ao Tio Google, para perguntar humildemente quantas religiões existem no mundo, ele meio confuso oras me disse cerca de 40, ora me disse mais de 10 mil. Como nosso mundão é grande prefiro acreditar na segunda opção, afinal para mim o importante não são quantas existem e sim o fato de todos termos em que ou quem acreditar, seja Deus, Odin, Buda ou Oxalá.

Cheguei à conclusão de que falar sobre religiões é necessário quando disse que havia me encontrado na Umbanda e muita gente me torceu o nariz (pobres das religiões de matrizes africanas, que são associadas àquele que não pode ser mencionado). E pensei: Realmente as pessoas não gostam ou sentem medo de coisas que desconhecem. Tive certeza que deveria falar sobre, quando em uma sexta-feira à noite sentada no chão da minha sala, com a casa cheia de amigos entramos no assunto, falando sobre cartas de tarot, espiritismo, destino e energia. Enquanto alguns me encaravam com curiosidade, outros pareciam descrentes de toda e qualquer crença, mesmo que as respeitassem. Fiquei triste por não sentir em alguns de meus amigos a presença de Deus, suas vidas tinham propósito, mas não tinha luz.

Lembram da fala sentida do meu avô, sobre como os jovens já não ligam mais para a religião como antigamente? Resolvi alegrá-lo mostrando que os jovens ainda são fiéis escudeiros de Deus e levam a religião a sério. E como consegui fazer essa constatação? Observando. Posso ver ao meu redor uma onda gigante de jovens entregando-se a sua religião e crenças pregando o amor e respeitando o próximo e suas escolhas acima de tudo.

Quando resolvi escrever esta matéria precisei me despir de todo e qualquer preconceito e me colocar à disposição para ouvir, mesmo que dentro de mim, pudesse não acreditar e não concordar com aquilo, mas aceitei o desafio porque sabia que o resultado seria válido e satisfatório.

As primeiras pessoas que me procuraram para a minha surpresa foram os ateus. Como eu poria compor uma matéria falando sobre religião sem citá-los? Sempre achei que ateus eram pessoas que não acreditavam em nada por pura birra e do juízo final (olha eu dando uma de pessoa herege, fazendo coisa feia e julgando os outros), porém fiquei imensamente surpresa ao descobrir que são pessoas que estudam muito e também estiveram dentro de várias religiões e decidiram não crer pelas divergências que encontraram em tudo que estudaram. Mesmo que tentassem essas pessoas não acreditam na existência de Deus, não sentem sua presença e preferem ficar ao lado da ciência e da realidade. Posso dizer sobre ateus, que são as pessoas mais pacientes que já conheci e respeitam as opiniões alheias, mesmo que não acreditem naquilo e que nem lhe façam sentido.

Eu conheço várias pessoas de religião distintas. Observei elas por um tempo porque queria entender suas relações com a religião. Ao conversar com elas eu vi olhos brilharem ao encontrarem Deus em momentos de difíceis da sua vida, outras sempre o tiveram por perto e outras mudaram o rumo da sua vida através da fé, se tornaram pessoas totalmente diferentes e hoje encontram-se mais felizes.

Nem todos esses jovens possuem a mesma religião de suas famílias. Alguns afastam-se dessa religião e da igreja e depois de um tempo retornam. O que nos faz perceber que até para a fé cada um tem o seu tempo, seu momento e sua maneira de acreditar.

Ficou claro o repúdio dessas pessoas, quando se mistura religião com outras questões como o dinheiro. A fé se faz cobrando imposto!

A contribuição que o fiel da a igreja que pertence precisa ser de acordo com sua vontade e com a sua situação. Não é menos crente ou temente a Deus quem não pode pagar. Para a fé não existe esse tipo de distinção, ela engloba e abraça a todos que nela acreditam.

A fé é capaz de mudar trajetórias e melhorar a vida em comunidade, mas quando se compreende que ela é feita por pregar o amor, por querer ver bem o próximo, ajuda-lo na dificuldade sem esperar nada em troca.

A fé não é sobre o quanto você vai à igreja, mas no quanto você faz bem ao outro agindo com amor e compreensão.

É preciso quebrar essa divergência entre religiões. Não existe uma verdade absoluta e nem uma única crença. Como posso determinar no que o outro deve acreditar se eu não estou vestindo as suas dores, se não conheço sua história e nem suas lutas? Não temos esse direito, a fé também se faz com respeito e cuidado! Não deseje mudar o outro, o encoraje a fazer o melhor.

Toda essa reflexão acerca da religião fez eu lembrar de duas coisas importantes que vi nos últimos dias. Vi uma entrevista do DJ Alok, onde ele começa dizendo: “Você já questionou a existência de Deus? Porque eu já, várias vezes”. No decorrer deste testemunho ele contou sobre uma viajem que fez para África através de um projeto social chamado Fraternidade sem Fronteiras e em como ele ficou revoltado ao perceber que as pessoas que lá estão não vivem, mas sobrevivem por conta da pobreza extrema. Ele questionou: “Se Deus existe, por que ele abandonou essas pessoas? ” Foi quando conheceu uma senhora de 90 anos, cega e que no momento da chegada da equipe estavam amarrando o seu estomago para não sentir fome. Quando ela foi acolhida no projeto disse estar grata a Deus, por ele ter enviado pessoas para acolhe-la. Mesmo ele questionado a existência de Deus, ela disse que era aquela fé que a mantinha em pé. E foi naquele momento que ele percebeu que o miserável era ele e que não havia sido Deus quem abandonou as pessoas e sim nós, a “humanidade”.

Você percebe como somos injustos ao questionar o mundo, quando somos nós os responsáveis por toda essa bagunça? Me fez lembrar de uma série de episódios de Gry’s Anatomy onde a Doutora April Kepner, que sempre foi muito religiosa “se perde de Deus”, porque não consegue achar tudo o que acontece a alguns pacientes justo e acaba se perdendo e levando uma vida muito diferente da que costumava levar. Quando conhece um Rabino à beira da morte e ele tenta de maneira bem humorada a fazer conversar e desabafar, quando ela diz que Deus abandonou as pessoas e que ela não considera o que aconteceu justo, ele cita passagens da bíblia onde acontecem injustiças e situações tristes e mesmo assim as pessoas não deixam de acreditar e assim ela recupera sua fé.

Com todos esses exemplos você consegue notar que não é a religião que determina quem somos? Você consegue perceber que se não achamos determinada situação justa (tirando a morte), nós podemos intervir? A fé não é sobre rotular ou julgar. A fé não é sobre quem está certo. A fé sobre amor, união, transformação e revolução. A fé é o que nos faz enxergar o outro com compaixão, é o que nos faz não desistir dos nossos sonhos, é o que nos fez nos unir por algo que acreditamos. A fé não é sobre egos, é sobre partilha!

 

Larissa Lucian


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