O corpo depois da COVID
Com o aumento do número de pessoas vacinadas contra o Coronavírus, o foco dos profissionais da área médica passa a ser, cada vez mais, as sequelas deixadas pela doença. Especialistas alertam que, mesmo após o paciente ter se curado, sintomas mais persistentes devem ser investigados para evitar o surgimento de uma nova epidemia: a Síndrome pós-Covid, também conhecida como Covid Prolongada. Estudos ainda não publicados indicam que cerca de 80% das pessoas que se recuperaram sentem ao menos um sintoma até quatro meses depois do fim da infecção.
Os sintomas da Covid foram mudando desde o início da pandemia, de acordo com as variantes que surgiram durante todo esse tempo. Porém, um assunto que cada vez mais chama a atenção dos especialistas são as sequelas com as quais pacientes considerados curados estão tendo que conviver.
Inicialmente, muitos sintomas pós-Covid não eram necessariamente associados à doença, como é o caso dos lapsos de memória e cansaço prolongado. Mesmo a falta de paladar e olfato – que anteriormente sequer eram considerados sintomas da doença – ainda podem persistir por meses após o paciente ter se recuperado da Covid.
De acordo com o dr. Bruno Vitiritti Ferreira Zanardo, médico Infectologista do Ambulatório de Infectologia de Caçador, as principais sequelas que têm aparecido no consultório são tosse persistente, astenia – um cansaço muito grande que chega a durar semanas ou até meses –, dores no corpo – principalmente nas pernas e nas articulações – e alterações neurológicas, como esquecimento e ansiedade. E ele adverte: “Qualquer sintoma que acabe influenciando na vida do paciente, como dor de cabeça e astenia prolongada, ansiedade ou perda de memória deve ser acompanhado pelo profissional de saúde”.
Um estudo intitulado “Post-Covid syndrome in individuals admitted to hospital with Covid-19: retrospective cohort study”(“Síndrome pós-Covid em indivíduos internados em hospitais com Covid-19: retrospectiva de um estudo de grupo”, em tradução livre) foi publicado no The BMJ, uma das mais conceituadas publicações sobre medicina no mundo.
Segundo o estudo, quase um terço dos indivíduos que tiveram alta hospitalar foram readmitidos, e 1 em cada 10 pessoas morreram após a alta. As taxas de doenças respiratórias, diabetes e doenças cardiovasculares também aumentaram significativamente entre esses indivíduos, com 770 diagnósticos a cada 1000 pessoas.
Outro estudo interessante está sendo conduzido por pesquisadores dos Estados Unidos. Os resultados, apresentados na última edição da revista “Annals of Clinical and Translational Neurology” (“Anais de Neurologia Clínica e Translacional, em tradução livre), indicam que o vírus causador da Covid gera irregularidades no sistema imune semelhantes às observadas em infectados pelo HIV, mesmo em pacientes que tenham apresentado apenas sintomas leves da doença. Essas irregularidades podem ser as causadoras dos sintomas cognitivos, afetando o cérebro e causando o esquecimento.
No combate contra o Coronavírus, o organismo pode liberar diversas substâncias; entre elas, a ocitocina. Isso provoca um processo inflamatório que, em pessoas mais sensíveis, pode significar um cansaço ainda mais prolongado, dores musculares intensas e até cicatrizes nos pulmões – o que explicaria a falta de ar que alguns pacientes relatam meses após a recuperação.
A preocupação dos profissionais da área da saúde é tão grande que o Hospital Albert Einstein, considerado o melhor da América Latina, criou um serviço especializado para cuidar de sintomas prolongados após a Covid. Ali, especialistas avaliam e direcionam cada paciente de acordo com os sinais apresentados durante a consulta, que variam de pessoa para pessoa.
“Infelizmente não existe nenhum exame específico que todo paciente com Covid deveria fazer ao final do isolamento. É muito individual.”, explica dr. Bruno.
O hospital faz parte da Coalizão Covid-19, uma iniciativa de alguns dos maiores hospitais brasileiros para avaliar a eficácia e segurança de potenciais terapias para pacientes com Covid no Brasil. O objetivo é analisar os impactos a longo prazo e a qualidade de vida dos pacientes após a alta hospitalar. Segundo os pesquisadores, uma das preocupações de profissionais da saúde no mundo todo é com uma “pandemia de incapacidade”, que irá demandar um preparo do sistema de saúde para tratar e reabilitar esses pacientes.
Prova disso é que, ainda em 2021, um grupo formado pelo COMDE (Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Chapecó), a CPA (Comissão Permanente de Acessibilidade) e a UNOESC (Universidade de Santa Catarina) discutiu o assunto em um ciclo de debates intitulado “Juntos pela Acessibilidade”. Segundo os participantes, em um mundo pós-Covid, itens de acessibilidade como rampas, por exemplo, poderiam fazer parte da nova realidade de pessoas que antes não tinham restrições de locomoção, mas que poderiam ter que começar a fazer uso deles por terem ficado com sequelas nos pulmões, coração e sistema nervoso.
Casos graves da doença, que exigiram internação e UTI, tendem a abalar mais o organismo no longo prazo. Mas a verdade é que os episódios leves também podem deixar marcas prolongadas.
Os sintomas duradouros podem aparecer até seis meses depois da alta hospitalar e, em muitos casos, é indicado fazer fisioterapia motora e respiratória. Como o surgimento da doença ainda é muito recente, é impossível sabermos se as sequelas serão de fato permanentes. “Mas alguns pacientes despontam para algo que vai se prolongar por anos.”, explica dr. Bruno.
Principais sintomas da Síndrome pós-Covid:
• Fadiga
• Fraqueza
• Falta de ar sem esforço
• Perda de paladar e de olfato (temporária ou duradoura)
• Dores de cabeça e no corpo sem explicação
• Ansiedade e depressão
• Déficit de memória e concentração
• Dor no peito ou palpitações
• Agravamento de doenças preexistentes como diabetes, hipertensão, doenças pulmonares, insuficiência cardíaca e renal crônica
Outros sintomas que também podem surgir:
• Queda de cabelo
• Tontura
• Tromboses
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