Abril Azul: conscientização e obstáculos no diagnóstico
O transtorno do espectro autista afeta o comportamento, socialização e comunicação das pessoas com a condição. Popularmente conhecido como autismo, pode até ser mascarado. No entanto, mulheres, que são mais pressionadas a seguir os papéis sociais, tendem a mascarar tanto os sintomas que acabam não sendo diagnosticadas. Além disso, os testes mais comuns para o diagnóstico foram desenvolvidos com base nos sintomas que mais se manifestam em homens.
Marcado pela cor azul, abril é o mês estabelecido pela ONU para a conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e dar visibilidade para as pessoas que vivem com essa condição.
As pessoas com autismo fazem parte da sociedade e têm os mesmos direitos, dedicar um mês sobre o assunto é muito importante para conhecer mais sobre o tema e diminuir a discriminação.
Caracterizado por dificuldades de interação social e comunicação, o TEA é um transtorno do desenvolvimento neurológico que pode gerar também comportamentos e interesses restritos e repetitivos.
Essas características são conhecidas como o núcleo do transtorno, mas a gravidade de sua apresentação varia de pessoa para pessoa, e apesar de não existir cura, o diagnóstico e as intervenções precoces podem suavizar os sintomas.
Estima-se que existam 70 milhões de autistas no mundo – quase 1% da população mundial – significando que no Brasil existem aproximadamente 2 milhões de pessoas dentro do espectro. Essa estatística, no entanto, é apenas uma projeção, pois ainda não existem censos com números oficiais no país.
Em 2016 a deputada Carmen Zanotto, do Cidadania, criou um projeto de lei para incluir dados sobre autismo no censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que foi transformado em lei em 2019 e em 2022, pela primeira vez, o censo irá incluir perguntas sobre o TEA. A expectativa é que esses dados ajudem a conhecer o contexto econômico, familiar, social e emocional das pessoas com autismo e que também dê maior visibilidade para a causa, favorecendo a criação de políticas públicas.
Ainda assim, é possível que o mapeamento não corresponda à realidade do país porque muitas pessoas jamais receberam o diagnóstico quando crianças ou adultos.
Nos últimos anos o número de diagnósticos de autismo em crianças vem crescendo, mas isso não significa que o transtorno é mais comum agora do que em anos atrás. Os números vêm aumentando porque hoje em dia se conhece melhor o espectro do que 30 ou 40 anos atrás. Isso reflete na falta de diagnóstico em pessoas adultas, que nunca tiveram qualquer tipo de auxílio ou tratamento, porque nunca foram diagnosticadas.
O diagnóstico tardio é ainda mais difícil, porque nem todos sabem reconhecer os sintomas do transtorno, comprometendo a qualidade de vida de pessoas que vivem com TEA, mas não conhecem sua condição.
Diagnóstico para mulheres adultas
Apesar das complicações em adultos, o diagnóstico para mulheres acima dos 30 anos é ainda mais difícil. Devido a pressão social para se encaixar em padrões faz garotas camuflarem comportamentos típicos do transtorno e muitas só descobrem a condição já adultas.
Homens são quatro vezes mais diagnosticados com TEA do que mulheres, segundo o relatório do CDC (Centro de Controle de Prevenção de Doença nos Estados Unidos) de 2020. As hipóteses para isso é que o transtorno, por algum fator genético ainda desconhecido, pode afetar mais os homens, mas a hipótese citada como mais provável é que o transtorno atinge as mulheres de uma forma diferente, por isso o diagnóstico não acontece em boa parte dos casos.
Estudos recentes sugerem que existem “diferenças sexuais” no autismo e que esses fatores precisam ser levados em conta ao se diagnosticar uma mulher com TEA.
Esses estudos também indicam que existe o preconceito, o machismo e a misoginia, presente em profissionais da saúde e na sociedade, afetam o diagnóstico de mulheres. Isso inclui a forma que o autismo é representado e os instrumentos padronizados para diagnóstico do transtorno.
A manifestação dos sintomas em meninas e mulheres também é fortemente impactado por influências de desenvolvimento psicológicas, sociais e culturais. Recentemente, o conceito de “fenótipo único” de mulheres com autismo tem sido amplamente discutido, já que é um conceito carregado de preconceitos.
A mulher com autismo sofre de diversas marginalizações, começando com a negação de um diagnóstico, um direito básico.
Muitos profissionais argumentam que com a capacidade de adaptação, mulheres conseguem trabalhar e constituir família, portanto, o médico conclui que com uma vida “comum” o laudo é dispensável já que o transtorno não impediu que a paciente tivesse uma vida “normal”.
Porém, esses profissionais ignoram que os desafios do casamento, mercado de trabalho e educacional são diferentes para o gênero feminino. Ter um emprego não significa que a mulher empregada tenha o mesmo tratamento social que colegas do gênero masculino.
Aos poucos, os estudos estão avançando nesse tema, e mais pesquisadores e profissionais têm se dedicado a entender como o autismo se manifesta de forma diferente em mulheres. É preciso entender o que é ser uma mulher autista em uma sociedade como a nossa.
Criar mais oportunidades e mais aberturas em espaços sociais para a discussão do tema auxilia na conscientização e oferece mais visibilidade para autistas diagnosticados tardiamente e os desafios de viver com o transtorno em uma sociedade capacitista.
Thais Eloy
thais.eloy@gmail.com
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