Redes sociais, mitos e gestão
Quantas vezes você analisou as redes sociais antes de uma contratação? E quantas vezes descartou alguns perfis depois disso? Esta prática não é nova, mas as análises que podemos fazer das redes sociais tem apontado direcionamentos importantes para diversas áreas. Da psicologia à gestão, de Narcisos à Pollyanas, tudo se encontra nas redes e todos os seus reflexos se dão fora delas – nas nossas empresas. Aqui, onde a vida real acontece, as análises cotidianas já não podem ser simples.
O brasil tem cerca de 45 milhões de usuários ativos no LinkedIn. Aquela plataforma que há poucos anos bradava aos quatro ventos que não era um depósito de currículos e da qual talvez você tenha esquecido seus dados de acesso. Se você não está, ao menos de 45 milhões contribuem para colocar expressividade de publicações e compartilhamento de conteúdo.
O Aurélio diria que expressividade é a energia da expressão e ela, por sua vez, se traduz na maneira de expressar sentimentos ou pensamentos. E de expressão nós, brasileiros, entendemos muito bem. Nós temos Candido Portinari, Anita Mafaltti e Nelson Rodrigues. Temos tantas expressões culturais que não caberiam em qualquer obra publicada, pois somos diversos e é apenas na diversidade que nos encontramos. E se somos tudo isso e nos reconhecemos por estas características, porque raios deveríamos ficar em silêncio nas redes sociais?
Um dos maiores benefícios das redes sociais foi, sem dúvida, a possibilidade de ligar pontos e pessoas distantes em uma grande rede global. Enquanto o Orkut nos apresentou o conceito e o Facebook aperfeiçoou a coisa toda, o YouTube nos forneceu uma série infinita de canais de opinadores de plantão que tem opinião sobre tudo e mais um pouco. Eles também estão no Instagram, Twitter, Telegram, Sanapchat e LinkedIn. Se focarmos na rede criada para aproximar profissionais e empresas podemos logo entender que o alarde feito pelos brasileiros que papagaiam sem parar na internet pode ser justificado, de certa forma, pelos 13 milhões de desempregados apurados pelo IBGE. Afinal, enquanto buscam uma colocação no mercado, eles continuam dando a sua contribuição nas redes em busca de, quem sabe, alavancar seu perfil e (1) ser notado ou (2) virar um influenciador.
Mas você já percebeu qual imagem está passando para as empresas que te notam? Um estudo publicado pela revista Psychology Today destaca que 92% das empresas já recorrem aos canais online para avaliar o perfil psicológico dos candidatos. Isso não é novidade, afinal, qualquer um de nós passou a procurar informações úteis sobre qualquer contato nas redes sociais e milhares de jornalistas já alertaram ao longo dos últimos anos sobre a análise dos perfis antes da contratação. Entretanto, algumas novidades são bem úteis e permitem boas análises.
ESTABILIDADE EMOCIONAL, UM DRINK E UMA BANHEIRA DE ESPUMA: TUDO O QUE QUEREMOS
O autor do estudo Niels van DE Vem descobriu que 40% das pessoas pesquisadas não apresentam traços de estabilidade emocional. Diversos estudos já traçaram a relação problemas emocionais e as redes sociais. Um estudo feito pela Universidade de Chicago acompanhou 205 pessoas por uma semana e verificou que é mais fácil resistir ao álcool e ao cigarro do que as redes sociais, uma dependência que provoca uma necessidade incontrolável de se conectar as redes para tirar o foco do interior e obter likes, comentários e compartilhamentos nas publicações. Vamos ser sinceros? Para muitas pessoas, é muito mais fácil tweetar do que pedir um abraço, dar um feedback positivo ou falar sobre sentimentos.
O indivíduo emocionalmente instável tem ânsia por popularidade e normalmente duvidam da própria aparência (o que também se explica por fatores culturais), por isso se preocupam excessivamente com a aparência e com a opinião dos outros. Por medo das reações negativas, não lidam bem as ideias contrárias as suas e normalmente reagem com agressividade. Estas pessoas também possuem expectativa exageradamente altas, supervalorizam seus sentimentos e acreditam que são mais infelizes do que as outras pessoas.
Isso não significa que aquele que vive nas redes sociais não é emocionalmente estável. Caso contrário, palestrantes sobre inteligência emocional não estariam nas redes. O que é necessário é reconhecer que seres humanos possuem muitas emoções ao longo do dia e podem gostar de compartilha-las. O problema apenas começa quando a permanência nas redes sociais significa isolamento social ou outros sinais de apatia.
EU ME AMO, MAS NEM TANTO
Não se trata de narcisismo em muitos casos. Por trás de uma pessoa lacradora no Instagram pode haver um indivíduo emponderado o suficiente para lidar com a exposição ou ainda alguém emocionalmente abalado que busca aceitação em corações que piscam na tela do smartphone. Narciso, para quem não está familiarizado, era aquele jovem tão lindo quanto sua mãe Liríope, que se apaixonou por si mesmo ao ver sua imagem refletida em um lago. A paixão pelo próprio reflexo foi sua ruína.
Mas o complexo narcisista está longe de ser assim tão simples e não pode ser interpretado apenas com base no uso das redes sociais, que não permitem um diagnóstico acurado e profundo. Freud tratou o narcisismo como uma fase entre o autoerotismo e o amor por objetos externos. Para ele, haveria o narcisismo primário, visível na infância quando o próprio corpo constitui o único objeto de desejo; e o secundário em que o objeto de satisfação é o ego.
Explicando melhor, o narcisismo primário é uma fase em que o bebê se sente o centro das atenções para que internalize um objeto bom, afável e acolhedor que permitirá que a sua percepção do mundo externo seja amável e fortaleça, ao mesmo tempo, seu mundo interno, subjetivo e psíquico. Por isso, acredita-se que a criança que não for amada, acolhida e receber investimentos afetivos durante esta fase terá dificuldades para estabelecer relações boas com as pessoas e situações cotidianas. O narcisismo primário perdido a partir da percepção de que, popularmente falando, não se é o centro do universo, provoca o surgimento do narcisismo secundário em que o primeiro é substantivo pelo ego que, se não tiver seus ideais atingidos, provocará a frustação, culpa e temor. O excesso de ego e o autoengrandecimento emergem como tentativas de satisfazer as necessidades originais da infância, evitando a aniquilação do eu. Alguns estudos apontam que os reflexos da pós-modernidade na maternagem podem prejudicar o desenvolvimento da subjetividade nos indivíduos e promover a estagnação na posição narcisista.
No mundo dos negócios, o narcisismo tem forte relação com a liderança já que ao ocupar um cargo de poder, o líder narcisista encontra espaço para se manifestar. O especialista em governança familiar Nelson Cury Filho estudou a influência de empresários narcisistas fundadores de empresas em membros familiares como provável fator gerador de traumas e rupturas na sucessão em empresas familiares em sua dissertação de mestrado defendida na França em 2016. No Brasil, 90% dos negócios tem controle familiar e 70% deles morrem antes da segunda geração. Estes dados independem das redes sociais.
De acordo com o estudo, existem líderes saudáveis que possuem uma autoconfiança e autoestima sólidas, podendo lidar com o estresse com facilidade. Entretanto, os líderes com perfis narcisistas destrutivos não suportam a ideia de serem substituídos e veem a próxima geração de forma distorcida, sem que haja a criação de laços familiares de longo prazo. Estes fundadores retardam ou anulam o desenvolvimento dos herdeiros que, ao quererem se tornar protagonistas de suas próprias histórias e se desvencilhar do negócio, passam a carregar o sentimento de culpa.
CAIU NA REDE
Fora dos negócios e dentro das redes sociais, é muito provável que o narcisista veja no LinkedIn uma oportunidade para se destacar, especialmente se compuser a massa de desempregados brasileiros. Se é o trabalho que dignifica uma pessoa, tente entender como o narcisista se sente sem ter um emprego para chamar de seu. Na prática, esse usuário provavelmente comentara todas as publicações de terceiros em busca de olhares, não raro apostando em mensagens motivacionais para disfarçar seu caos interno.
O estudo De Van aponta que 50% dos usuários do LinkedIn não possuem consciência plenas dos conteúdos que disseminam. E assim crescem os textos com informações erradas ou análises rasas, baseadas em argumentações pobres em termos de conteúdo e que possuem o elevado potencial de mostrar aos recrutadores uma série de deficiências em níveis técnicos. O alerta vermelho também se acende quando este tipo pobre de publicações serve como base para alardear uma grande base de seguidores, algo que não dará respaldo algum no momento da contratação ou da resolução de problemas dentro da empresa.
Igualmente, há aqueles que insistem em divulgar vagas de emprego para os outros usuários, esquecendo-se do limite sutil entre a ajuda e o incômodo. Ao tentar fazer o trabalho dos recrutadores ou dos outros candidatos, o divulgado se esquece que não cabe a ele analisar o perfil do seu colega de rede sociais. Em outras palavras, ele dificilmente sabe qual é a vaga dos sonhos do coleguinha e pode se tonar um grande chato ou inconveniente.
Finalmente, De Ven apontou que 60% dos usuários não atingiram os indicadores mínimos de agradabilidade afetiva frente à sociedade. Pesquisadores da Universidade Binghamton, de Nova York, definiram a agradabilidade como um traço de personalidade relacionado aos indivíduos amigáveis, generosos e preocupados com a harmonia social. Eles descobriram que a combinação de baixos níveis de agradabilidade com baixos níveis de consciência (visto como uma tendência a autodisciplina e pela preferência pelo comportamento planejado em detrimento do espontâneo) faz emergir socialmente uma pessoa antipática e irresponsável com grandes probabilidades de desenvolver dependência em redes sociais.
Em busca de likes e na tentativa de alimentar a plataforma para conseguir destaques positivos, os usuários das redes sociais não percebem mas podem se alienar em si mesmos e prejudicar sua recolocação ou entrada no mercado de trabalho. Também correm o risco de, na tentativa de se autopromover, supervalorizar seus próprios feitos ignorando o risco de parecer falso ou até mesmo arrogante. Isso não significa que não se deva postar mais nada e abandonar o smartphone para viver na floresta, mas quer dizer que pesquisar e refletir antes de publicar qualquer coisa pode ser um diferencial seja no LinkedIn ou em outras redes. Por fim, se você está em um momento de mudança e precisa escolher como vai agir daqui para frente, escolha ser a pessoa que faz bem na internet, muitas vezes, significa deixar a água rolar.
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