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Pele de Tilápia no tratamento de queimados


O ano era 2014 quando uma pesquisa coordenada pelo professor e cirurgião plástico, Edmar Maciel, deu início, com sua equipe, ao que anos mais tarde se tornaria referência no tratamento de queimados e progredindo para outras aplicações. O uso da pele de tilápia se mostrou eficaz na qualidade do tratamento de pacientes e se tornou referência internacional no assunto.

Outro aspecto que também levou ao desenvolvimento do projeto foi a carência de material no banco de peles no país, muito abaixo do que a gestão de saúde do país aponta como o necessário para o ideal.

 

“A quantidade de pele humana é insuficiente, o Ministério da Saúde aponta que deveria ter 13 bancos de pele humana no Brasil, mas hoje só existem 4, então surgiu a ideia de estudar a pele de tilápia e ver a aplicabilidade”, apontou o professor Edmar Maciel, em artigo.

 

É importante destacar que segundo a Organização Mundial de Saúde, estima-se que, anualmente, 130 mil pessoas morrem de queimaduras e as queimaduras estão entre as principais causas de anos de vidas perdidas ajustados por incapacidade em países de baixa e média renda. Ainda, de acordo com estimativas do Ministério da Saúde, tem-se cerca de um milhão de novos casos de vítimas de queimaduras ao ano, sendo 100 mil atendimentos hospitalares e, destes, cerca de 2500 óbitos em função de lesões.

 

pele

Os primeiros resultados os estudos histológicos (o estudo da formação, estrutura e função dos tecidos vivos), confirmaram aos pesquisadores uma boa quantidade de colágeno com boa resistência à tração e boa umidade, semelhantes à pele humana e melhor que as peles de porco e de rã, em um estudo comparativo. Ainda na fase de testes, a aplicação em pele animal constatou-se uma boa aderência da pele ao leito da ferida e melhora no processo de cicatrização, além disso também foi possível observar a ausência de germes e fungos.

Em seguida os estudos avançaram em humanos e os resultados também foram animadores com a pele de tilápia tendo uma ótima aderência ao leito da ferida, evitando a contaminação externa, a perda de líquidos e não sendo necessária a sua remoção, permanecendo até a completa cicatrização das queimaduras de segundo grau superficial. Além disso, o estudo também apresentou diminuição na dor e no desconforto do tratamento com a pele de tilápia, menor trabalho da equipe e redução dos custos.

 

pele humanos

Outras aplicações

 

Com o passar dos anos o projeto foi dando passos mais longos daqueles imaginados no seu começo. Conforme a equipe crescia e mais gente e instituições faziam parte do time, novas faces de usos para pele de tilápia se colocam para os pesquisadores. Como já foi apontado anteriormente, desde o início se percebeu que a pele de tilápia era rica em colágeno e uma série de cremes passaram a ser desenvolvidos a partir dela, com 4 solicitações de patentes já feitas, segundo o professor Maciel.

 

“Desde 2018 a pesquisa vem apontando bons resultados não só no tratamento de queimados mas também em feridas animais, ginecologia, crianças que nascem com os dedos juntos, além de outros produtos também serem desenvolvidos por meio desta pesquisa”, disse o coordenador do projeto.

 

Algumas instituições também estão aplicando a pele de tilápia em animais vítimas de incêndio e o resultado vem sendo satisfatório na recuperação. Segundo o professor Maciel, a única dificuldade em alguns casos é que alguns animais comem a pele, mas de qualquer forma, a recuperação acontece.

 

pele animais

O Professor Maciel também destaca que o projeto já participou de missões em incêndios na Califórnia, Líbano, Pantanal e Uberaba.

 

Longa caminhada, passos largos

 

Hoje a pesquisa coordenada pelo professor Edmar Maciel já conta com 297 pesquisadores envolvidos por mais 9 estados brasileiros e 8 países, além de 22 coordenadores na área de saúde.

A pesquisa já gerou 26 publicações em revistas científicas nacionais e internacionais, além de 19 prêmios, todos eles em primeiro lugar. Entre as instituições envolvidas estão a NASA, Fiocruz e o Butantan.

Mas ela não está apenas no meio acadêmico, a pele de tilápia ficou pop. A pesquisa já foi citada em 4 séries internacionais, sendo elas Grey's Anatomy, Good Doctor, Vampires e The Resident. Além de mais de 760 matérias jornalísticas em 17 idiomas.

 

cirurgiao plastico

O professor Maciel recebeu o prêmio Eurofarma de Inovação, considerado o Oscar da medicina brasileira e em 2019 ele apresentou a pesquisa no Palácio do Planalto com a participação em live do presidente Jair Bolsonaro.

 

“Essa é uma das pesquisas que mais tem impacto sobre o desenvolvimento de produtos nas últimas décadas no Brasil. É importante para a gente saber que é possível ter pesquisa no setor público, é possível fazer pesquisa séria no Brasil”, disse o professor Edmar Maciel.

 

Pele de tilápia na reconstrução vaginal

 

Um dos avanços nas pesquisas com pele de tilápia  também pode ser constatado em uma de suas aplicações desenvolvidas mais recentemente. Após o sucesso em aplicações em vítimas de queimadura, hoje, também é feito o uso do material em algumas cirurgias ginecológicas. Algumas mulheres com a Síndrome de Rokitansky, um raro distúrbio congênito que as faz nascer sem o canal vaginal ou então com ele pouco desenvolvido. 

 

pele tilapia tratada

As pacientes que passaram por este procedimento ficaram cerca de uma semana com molde acrílico envolto na pele de tilápia dentro do canal vaginal, após um tempo essa prótese é retirada com a pele de peixe mantida no corpo. Outro aspecto destacado pela equipe é que não carece de medicar as pacientes com drogas imunossupressoras, pois o material biológico não é colocado dentro da cavidade abdominal, mas na vagina.

Além de atender a pacientes com a Síndrome de Rokitansky, a pele de tilápia também já foi usada em uma mulher que precisou reconstruir a vagina por causa de sequelas de um câncer ginecológico e também com uma paciente transexual, a qual havia se submetido, anos atrás, a uma mal sucedida cirurgia de redesignação sexual.

 

pele tilapia

Até aquele momento, a única opção que se tinha para este procedimento era fazer um autoenxerto com segmento de intestino, uma operação bastante agressiva, demorada e com complicações a longo prazo. “Os métodos tradicionais para Síndrome de Rokitansky de tirar a pele da virilha da paciente, inclusive levando pelo para o interior do corpo. Além disso, com o uso da pele de tilápia nós reduzimos o tempo nas cirurgias de agenesia vagual de 1h40 para 20 minutos e o pós operatório de 10 para dois dias. Já nas cirurgias de resignação de sexo, o nosso método evita cirurgias invasivas, que muitas das vezes tira pele do intestino e permite, após o procedimento, uma vida sexual mais saudável para a paciente”, comentou o professor Maciel.

 

Editais para empresas

Para que o resultado das pesquisas possa finalmente chegar ao público em geral, o projeto vai entrar na fase de abertura de edital público para que empresas interessadas possam se candidatar para a produção e submeter o produto à chancela da Anvisa.

 

Everson de Andrade
eversonsdeandrade@gmail.com

 

 


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