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Negócios familiares: a próxima geração


Você já leu nossas matérias sobre  as gerações e o mercado de trabalho ou sobre os conflitos entre as gerações em uma série de edições. Geração é um termo empregado para designar um conjunto de pessoas que nasceram em uma mesma época e por isso tendem a ter hábitos e interesses em comum, além de agir de forma semelhante. Mas não é sobre esse tipo de geração que vamos falar agora. 

Heráclito definiu o tempo médio de cada geração familiar como sendo de 30 anos, pois seria o suficiente para que os pais conhecessem seu filho primogênito. E se muitos de nós já temos nossos filhos nascidos e provavelmente indo à escola, cabe perguntar: será que a nossa empresa existirá quando eles entrarem no mercado de trabalho? E será que eles estarão dispostos a assumir o desafio de dar sequência a este legado familiar?

Antes de responder, é importante lembrar que as empresas familiares compõem 90% das empresas brasileiras, com representatividade de 65% no PIB, além de empregar 75% da força de trabalho do país de acordo com o IBGE e o Sebrae. Neste tipo de organização, vários membros de uma mesma família compõem o quadro de colaboradores, seja na parte técnica, administrativa, acionária ou como membros da diretoria. A grandiosidade do organograma vai variar em função do porte da companhia e nenhuma empresa é mais ou menos familiar por ter um número diferenciado de familiares ocupando diferentes funções.

Por enquanto, vamos presumir que a primeira resposta seja afirmativa (a segunda pergunta pode ser respondida em outra hora) e, sim, a empresa sobreviverá para ser dirigida pela próxima geração. Tecnicamente, uma empresa criada no Brasil no ano de 2000 já pode ter uma segunda geração atuando em seu quadro de colaboradores, considerando que o profissional terá 19 anos e provavelmente estará em algum curso de graduação ou estudando para isso. Na vida real, dizer isso significa pressupor que a organização em questão não é uma das 70 entre 100 empresas familiares que sobrevivem apenas enquanto o fundador estiver vivo ou em atividade e que, com sorte, integre os 5% das empresas que chegam à terceira geração.

A passagem da empresa para a geração seguinte nem sempre respeita o tempo médio de uma geração previsto por Heráclito. Isto porque quando falamos sobre o ambiente empresarial precisamos pensar com mais cautela, já que as variáveis são um tanto mais complexas do que quando pensamos apenas em termos reprodutivos. Normalmente, uma troca de geração implica na elaboração de um novo ritmo de trabalho, adequado às exigências do mercado e dos consumidores.

Um forte exemplo pode ser visto no ramo farmacêutico. De acordo com Gislaine Colle Pasqual, formada em Farmácia e Pós-Graduada em Farmacologia Clínica, cuja família se mantém no ramo há três gerações, existe um grande desafio enfrentado pelas farmácias independentes para se manter no mercado, pois “temos que conseguir atender às expectativas cada vez maiores dos consumidores, buscando oferecer diferenciais competitivos. O mercado farmacêutico brasileiro segue em expansão, puxado pelo aumento da expectativa de vida da população, e esse crescimento das grandes redes até obriga os pequenos negócios a se reinventarem para sobreviver. Foi o que aconteceu com a nossa empresa nos últimos anos: duas Farmácia Bom Jesus se transformaram em Farmácia Super Popular”.

A farmácia de propriedade do avô José Colle e que passou para seu pai Edson Colle, que segue na direção, foi o local onde Gislaine cresceu. “Começar a trabalhar na farmácia não foi um grande evento na minha vida, afinal era o ambiente que eu já frequentava todos os dias. Estudar o curso de Farmácia nunca foi um pedido do meu pai ou um sonho da minha mãe e tanto eu quanto minha irmã sempre fomos muito livres para optarmos pela carreira que quiséssemos. Mas eu já vivia no mundo farmacêutico e na inscrição do vestibular nem tive dúvidas. Com o início da faculdade, também comecei a ajudar na farmácia com funções no setor do crediário, cobrindo férias da secretária, ajudando no estoque. Durante a fase dos estágios curriculares da faculdade, comecei a aprender o atendimento ao cliente no balcão e depois a manipulação. Sem perceber, passei e aprendi em todos os setores até chegar ao administrativo onde trabalho hoje junto com meu pai, minha mãe e minha irmã”.

Alguém menos atento talvez possa acreditar que agilidade e inovação não combinam com as tradições e continuidade do legado de uma empresa familiar. Pelo contrário, as empresas familiares apenas se perpetuam no mercado porque conseguem atingir o equilíbrio entre os valores familiares responsáveis pela criação do legado e a atualização exigida pelo mercado. Diante das novas exigências do público, a atuação da família na direção do negócio tem direcionado para promover diferenciais frente a grandes redes com foco nos preços dos medicamentes, relacionamento com o cliente e prestação de serviços como aferição de pressão, aplicação de injeções, realização de testes de glicose, entre outros. “Farmácias familiares como a nossa precisam ter muita agilidade para mudar diante da alta competitividade”, explica Gislaine.

 

 

CRESCIMENTO COM CONFIANÇA

Se não recai sobre as segunda ou terceira geração a necessidade de criar uma empresa nova do zero, isso não significa que as dificuldades não existem. De acordo com os sócios da segunda geração da Contábil Colle, Marcelo Colle, Adriano Colle e Vitor Paulo Rigo, existem facilidades ao dirigir uma empresa com uma carteira de clientes formada, uma equipe estruturada para o trabalho e previsibilidade de acontecimentos, “porém, você é testado a todo instante. Lidamos, principalmente, com a confiança dos clientes, dos colaboradores e da sociedade. Até então, Vitor e Clemente sustentavam valores essenciais do negócio: ética, respeito e credibilidade. O desafio foi replicar essa marca para a segunda geração”.

A confiança é uma marca bastante batida nas empresas familiares de modo geral. Especialmente para quem atua no ramo de prestação de serviços, ela é um diferencial para atrair e reter clientes. Confia-se no trabalho de alguém, que nem sempre é especializado na primeira geração, porque a pessoa inspira confiança e o resultado pode ser visto com clareza. Isso explica, mesmo que em partes, a razão de muitas empresas terem dificuldade de transferir a direção para a segunda geração. Existe dúvida: Será que o trabalho dos novos será tão bom quanto o do antigo dirigente?

Com uma história de fundação peculiar, a empresa nasceu como consequência de uma série de acontecimentos. Primeiro, o pai dos fundadores, Vitor e Clemente Colle, era proprietário de uma serraria e precisou de ajuda com a burocracia do negócio. Foi assim que, em março de 1966, Vitor passou a trabalhar como auxiliar no escritório de contabilidade do Sr. Villibaldo Rohregger, que lhe faria a proposta de adquirir metade do escritório no ano seguinte. Vitor e Clemente dividiram sua parte na sociedade e no mesmo ano adquiriram os outros 50% restantes, cuja administração estava sob responsabilidade do filho de Villibaldo. Os irmãos ainda compraram um novo escritório, de propriedade do Sr. Idê Loila e o utilizaram como nova sede. “Quando eu entrei na empresa, em 1987, tive a incumbência de modernizar e informatizar o negócio. Conforme o tempo foi passando, os outros ingressaram com a função de office-boy. Isso ocorreu com Vitor Paulo em 1999 e Adriano em 2001. Orientamos o aumento das incumbências de forma bastante orgânica, prezando pela afinidade e disponibilidade. Dessa forma, desde 2002, Vitor Paulo assumiu o setor de Despachante”, explica Marcelo.

Vitor Paulo explica que a credibilidade perante os clientes e a equipe foi conquistada passo a passo e permitiu conquistas importantes como a criação de uma nova sede, moderna e mais confortável para garantir mais qualidade de vida para a equipe de colaboradores e facilidade de acesso para os clientes. “Em 2016 abraçamos o Programa da Qualidade com reuniões, organização, padronizações e relatórios. Isso foi coroado com a obtenção do Selo Catarinense da Qualidade para o segmento de Prestação de Serviços Contábeis, baseada nas normas ISO 9001, em 2017”, explica o sócio.

Trabalhos voltados à qualidade possuem o potencial de trabalhar uma mudança na percepção do cliente sobre a confiança, pois mostram que a confiança pode ser mantida com a nova geração já que o processo possui autonomia diante das pessoas. Assim, quer seja realizado pelos sócios, quer seja realizado por colaboradores ainda no período de experiência, a ação será a mesma, baseada nos mesmos princípios e com igual qualidade.

Outro representante da segunda geração é Jairo Giacomin, administrador da Giacomin Carrocerias, criada pelo seu pai Olices e outros dois sócios em agosto de 1980. “Desde criança eu estava dentro da fábrica analisando todos os processos, fosse por curiosidade ou interesse ou por insistência e incentivo do meu pai. Ele sempre buscou me ensinar os processos de trabalho, assim como me incentivar a executar o trabalho com autonomia, me inserindo na tomada de decisões conforme percebia minha aquisição do conhecimento e maturidade para isso. Então, entrar na empresa e assumir foi um processo automático”, explica Jairo.

A geração que ingressa em um negócio familiar normalmente passa por um processo de adaptação e de apresentação para os clientes, para que a relação de confiança seja mantida e a passagem não seja tão brusca. Prepara-se um futuro em que as mazelas do momento empresarial possam ser vencidas. Não por acaso, Olices estimulou Jairo a cursar Administração de Empresas para que conseguisse ter mais bases e conhecimento necessário para tocar a empresa no futuro. De acordo com o administrador, embora o “futuro” em que assumiria a empresa já tenha chegado, o processo até sua chegada foi um tanto lento e “com um pouco de dificuldades, levando em conta que meu pai sempre foi muito apegado à empresa e sempre quis acompanhar todos os processos, além de ser resistente a algumas mudanças muito necessárias para se adaptar ao mercado e aos novos consumidores”.

A adaptação ao mercado, no caso de Jairo, significa não se apegar ao saudosismo de uma época em que bastava que houvesse um contrato social e um bloco de notas para controlar o caixa e suprir as despesas. “A geração do meu pai nunca pensou que precisaria de uma autorização do IBAMA para extrair nossa matéria-prima, pois acreditavam que a madeira considerada nativa jamais se esgotaria”, exemplifica. Neste sentido, pode-se admitir que coube à segunda a adoção de processos ligados à sustentabilidade e a ações de conscientização e responsabilidade com o meio ambiente, sem que isso inviabilize o trabalho.

 

A NOVA GERAÇÃO

Seja por escolha própria ou seja pela influência da família, muitos profissionais da segunda ou terceira geração de empresas familiares seguem o caminho da geração precedente e buscam dar continuidade aos negócios. Mas seja qual for a sua experiência, independente da idade que tinham quando começaram a lidar com o dia a dia da organização, sempre haverá algo que os persegue. É a dúvida! “Embora eu tenha assumido definitivamente o comando da empresa, busco fazer as coisas de forma planejada e com muito jeito, pois como meu pai ainda acompanha o processo e gosta de dar seus palpites e conselhos, mesmo que já estejam um pouco ultrapassados, preciso atingir um equilíbrio entre a opinião dele e a minha para atingirmos um resultado satisfatório e eficaz”, pontua Jairo.

Não é arriscado dizer que a dúvida é a única certeza que a geração entrante possui como companheira. Ela aparece especialmente quando a sábia figura do familiar mais velho não está presente para recorrer quando houver algum problema ou dificuldade. Em casos em que o dirigente se distancia definitivamente, como em casos trágicos como um falecimento ou doença, a sucessão normalmente ocorre de forma mais traumática e com mais dificuldades.

Esse é o caso das irmãs Priscila e Patrícia Pederiva, que assumiram a granja de seu pai Jorge depois de seu súbito falecimento em 2018. O empreendimento, com mais de 40 anos de existência, pertenceu à Perdigão no passado e foi adquirido por Jorge em 2008, em um momento em que nenhuma das irmãs tinha planos para trabalhar no ramo. “Quando eu cheguei na idade de escolher uma profissão não tínhamos a empresa na família. Fui proprietária de um Studio de Pilates em Videira, mas conforme meu pai se envolveu com a granja senti a necessidade de aprender mais sobre o negócio. Entrei como aprendiz para conhecer o dia a dia e senti a necessidade de me capacitar na área, então voltei a estudar”, conta Priscila.

A entrada de Patrícia, porém, acompanhou a perda do pai. “Nunca imaginei trabalhar nesse ramo. Foi uma consequência da sucessão familiar e uma surpresa do destino. Tinha ficado longe de casa por 12 anos e resolvi voltar para aproveitar mais a família e quando percebi estava seguindo os passos dele na empresa. Assumimos juntamente com nossa mãe, Vânia, e tivemos que aprender muita coisa que ele não teve tempo de nos ensinar, embora sempre tivesse muita paixão e paciência para isso”, explica. Com pouco tempo para se estruturar e um tempo menor ainda para providenciar as respostas necessárias à equipe e ao mercado, Priscila e Patrícia sentiram a necessidade de dividir as tarefas organizacionais, de modo que a primeira é responsável pela gestão financeira, enquanto a segunda responde pela gestão administrativa.

Sem o longo período de aprendizado comum neste tipo de empresa, Patrícia e Priscila ainda enfrentaram o desafio de sobreviver à crise econômica vivida pela BRF no último ano. Situações de incerteza como esta podem assustar empresários e equipes inteiras. Não é raro ouvir maus agouros pregando a falência do negócio ou mesmo aproveitadores que usam destes momentos de fraqueza emocional dos dirigentes para captar mão de obra ou informações privilegiadas. “O apoio e a experiência da nossa mãe foi fundamental para superarmos estes desafios. Buscamos focar na redução de custos, renegociamos com fornecedores e mudamos alguns pontos estratégicos dentro da empresa. Também tivemos que lidar com a renovação de 75% do quadro de colaboradores por uma iniciativa alheia à nossa vontade, o que nos permitiu montar uma equipe ainda mais forte e alinhada com nosso propósito”, relatam.

Pensar no futuro em um caso como este pode parecer tanto delicado quanto precoce, todavia, preparar a sucessão é a chave para que a empresa consiga sobreviver. Atendendo-se às particularidades de cada ramo, é sempre importante apontar definições claras sobre quem será o novo responsável pelo comando e qual será a capacitação exigida para tal, quando isso ocorrerá (em um cenário ideal, obviamente), como será realizada a sucessão, quais familiares podem ou não podem fazer parte da empresa, fixar limites para admissão de membros da família, balizar o exercício da autoridade, entre outros desdobramentos. Criar estas estratégias não implica na retirada da autoridade do comandante, mas desenvolve a noção de um plano de carreira para os herdeiros ou futuros dirigentes e fixa políticas claras que, no longo prazo, garantem a sustentabilidade do negócio, sua profissionalização e a manutenção do patrimônio familiar. 

 

PERGUNTAS PARA SE FAZER AO PENSAR NA GESTÃO DE UMA EMPRESA FAMILIAR:

Quem será o novo responsável pelo comando da empresa?

Quando acontecerá a transição?

Como será o processo de sucessão?

Quem pode e quem não pode fazer parte da empresa?

Qual é o limite para admissão de membro da família na empresa? 

Comos será exercida a autoridade?

Que preparação será necessária para o processo de transição?

O que será feito se o processo não for bem-sucedido?

Quem pode ter cotas da empresa?

Como serão avaliados e pagos os membros da família?

O que acontecerá em caso de divórcio ou falecimento?

Que responsabilidades há em relação a comunidade?

Que responsabilidades há em relação aos funcionários mais antigos?

Que responsabilidades há em relação aos membros da famíia?


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