Mais agro, menos custos
Projetos de pesquisa inovadores têm garantido o futuro das frutas na região.
Tudo começou com uma folha cheia de caracteres. Fonte Arial 1, espaçamento 12 e recuo de primeira linha. Margens superior e esquerda com 3 cm. Margens inferior e direita com 2 cm. Citações longas com recuo de 4 cm para a esquerda e espaçamento simples, sem recuo. Referências no final. ABNT sentiria orgulho, mas talvez não mais orgulho do que nós: os benefícios pela pesquisa técnica destes pesquisadores apaixonados pela ciência.
Tendo os agricultores como os principais beneficiados, é sobre nós que incidirão as vantagens de ter na mesa produtos melhores, produzidos com menos custos e com menores ônus aos produtores e ao meio ambiente. Nós podemos ter conhecimento até agora, mas as variedades frutíferas que colocamos no prato das crianças e que levamos de lanche para o trabalho tem um quê do trabalho dela. E muito em breve, os vinhos que regarão nossos jantares terão um toque dele. Para falar sobre o agro, conversamos com que faz pesquisa.
PREJUÍZOS CONTROLADOS
Não há quem possa continuar imóvel ao ouvir o zumbido das moscas. Elas nos perturbam, muito mais do que incomodam. Mas para quem não é apenas consumidor, como nós, elas fazem ainda mais do que isso: dão prejuízo. As moscas das frutas (conhecidas tecnicamente pelo nome Anastrepha fraterculus) é originaria das Américas e ocorre nos EUA até a América do Sul, sendo vista como uma praga de importância econômica* que atinge pomares na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Por aqui ela aparece em todo território e é vista como uma das principais pragas da maioria das fruteiras exploradas no Sul.
Com um ciclo de vida dividido em quatro fases básicas, sua longevidade depende do meio ambiente e suas reações. Seu dano por sua vez, é causado pela fêmea adulta e pela larva. Ao perfurar o fruto, a fêmea já produz um dano irreversível: no local da perfuração em maçãs e peras, por exemplo, a casca adquire uma marca e desenvolve uma concavidade no fruto. Internamente, cria-se uma massa morta que independe da presença de larva. As larvas consomem a polpa dos frutos sem padrão de deslocamento, produzindo uma espécie de apodrecimento interno. Alguns frutos possuem áreas apodrecidas apenas quando as larvas estão plenamente desenvolvidas, mas outros (pêssego, ameixa, goiaba e laranja) não se percebe a infestação através da casca, mas sim com a perda de consistência. Ao sair dos frutos, as larvas deixam um orifício de saída que libera suco quando pressionado.
O controle não partirá de outro ponto senão do conhecimento. Saber quais são os frutos em que se hospedam as moscas na região em que se planeja controlar é muito importante para criar um programa de ação. E para criar esta estratégia a Engenheira Agrônoma e Doutora em Entomologia, pesquisadora da Epagri na Estação Experimental de Caçador, Janaína Pereira dos Santos pesquisa a diversidade de parasitoides (organismos que passam parte significativa de seu ciclo de vida agarrados ou no interior do corpo de um hospedeiro. Nessa relação, para que o parasitoide viva, precisa matar o hospedeiro) presente nas moscas das frutas.
“No Brasil, as principais práticas adotadas pelos fruticultores para o controle da mosca são a aplicação de iscas tóxicas e a pulverização de inseticidas. Entretanto, devido a exigência dos países importadores com relação a ausência de pragas e resíduos de agrotóxicos nos frutos, limitando a exportação de frutos in natura, aliada à conscientização ambiental dos consumidores e fruticultores brasileiros, o manejo desta praga tem sido aprimorado. Dessa maneira, outras estratégias de controle têm sido pesquisadas, entre elas o controle biológico com vespinhas parasitoides que estão entre os mais importantes inimigos naturais da mosca das frutas. O sucesso de um programa de controle biológico depende da utilização de inimigos naturais efetivos, sendo que a identificação destes é de suma importância nos sistemas agrícola. A detecção e a quantificação das populações da praga em pomares, bem como de seus inimigos naturais são etapas essenciais quando programamos as estratégias de controle”, explica Janaína.
Para a alegria de quem depende dos pomares, a pesquisadora registro pela primeira vez a aparição de um parasitoide capaz de acabar com as moscas.
“A Aganaspis nordlanderi foi registrada pela primeira vez em Santa Catarina em 2016 através da minha pesquisa. Fiz um breve relato e publiquei em um evento cientifico na área de Agronomia antes de escrever um artigo cientifico completo com um relato detalhado da pesquisa em 2018. A primeira vez que a espécie apareceu no Brasil foi em 1998, no Amazonas. Depois ela apareceu em São Paulo, Goiás, Espírito Santa Catarina! Encontrá-la foi uma grata surpresa, problemas com insetos-praga e quando surge uma espécie nova de inimigo natural é muito gratificante. Este também é o primeiro registro desse parasitoide em associação com a mosca das frutas da espécie Anastepha fraterculus”, descreve a pesquisadora.
Janaína tem em mão uma oportunidade única na careira de quem trabalha com a ciência. Talvez ela não imaginasse que faria essa descoberta quando descobriu uma paixão por insertos quando cursava Agronomia na UDESC ou quando conseguiu a vaga de monitora da disciplina, auxiliando o prof. Dr. Renato Fenili. Depois do Mestrado e Doutorado em Etimologia, iniciou seu trabalho na Epagri em 2004, como pesquisadora na área de hortaliças e frutíferas de clima temperado. “A pesquisa”, segundo ela, “é um instrumento de construção de conhecimentos que devem ser aplicados na prática. Dessa forma, meu principal objetivo é melhorar a qualidade de vida e a rentabilidade dos agentes que utilizarão as informações. Os fruticultores serão beneficiados diretamente com a melhoria da qualidade dos pomares e redução do número de aplicações de agrotóxicos. A população, por sua vez, terá frutas melhores e livres de resíduos”.
A vespa descoberta por Janaína tem apenas 3 mm e não possui ferrão. Mesmo com a descoberta, ela ainda precisa concluir a pesquisa básica de levantamento de espécies de parasitoides da mosca da fruta em frutíferas nativas de Santa Catarina.
“Já fiz estudo em diferentes espécies de frutos, como araçá, guabiroba, pitanga, amora-preta, goiaba-serrana e cereja-do-mato. No futuro pretendo realizar estudos de impacto e quem sabe verificar o potencial de alguma espécie nativa de parasitoide para criação em laboratório e liberação em áreas infestadas (pomares) por mosca das frutas. Esses estudos são demorados e requerem muito critério para realização. Apesar de estar trabalhando há quase cinco anos com o levantamento de espécies de parasitoides ainda há muito para se fazer, estamos apenas no início das pesquisas”, finaliza Janaína.
O critério é flexível e dinâmico. Enquanto estes países consideram a mosca das frutas como uma delas, Peru e Equador não a consideram, embora seja uma praga importante. As moscas ocorrem em diversas espécies frutíferas e podem impactar a finalidade de exploração das frutas. Tipos para exportação, por exemplo, precisam ter níveis da praga controlados.
UM BRINDE AO RESULTADO
Através de um projeto de estudo, uma equipe de pesquisa da Epagri e UFSC buscou recursos na Fapesc (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação em Santa Catarina) para sanar as dificuldades encontradas pelos produtores de uvas para plantar e colher uvas com alto potencial enológico (Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay, Pinot Noir) na região. De acordo com André Luiz Kulkamp de Souza, Doutor em Agronomia e pesquisador em fitotecnia de plantas frutíferas na Estação Experimental da Epagri de Videira, o problema não está nos produtos, mas aonde eles encontram.
“Estas variedades são muito suscetíveis a doenças causadas por fundos quando são cultivadas nas condições climáticas catarinenses. Temos cerca de 2000 mm de chuva por ano, enquanto em algumas regiões da Itália, França ou Alemanha, chove apenas 200 a 300 mm por ano. As variedades com alto potencial enológico adquirem muitas doenças no nosso clima e necessitam do uso de grande volume de agrotóxicos para serem produzidas explica André.
O pesquisador aponta a necessidade de buscar uma alternativa para os produtores, pois embora a região possua uma tradição vinífera, o mercado já não permite que a produção seja apenas experimental. Assim, foi em busca de uma variedade mais adaptada as condições climáticas e mais rústica, capaz de prosperar com menos agrotóxicos e produzir com menos custos. Desde 2013, o projeto “Avaliação vitivinícola de genótipos de videira nas condições edafoclimáticas de Santa Cataria (UFSC – campus Curitibanos) com apoio do Instituto Agrário de San Michele all” Adige, da Itália, e do Instituto de Melhoramento Genético da Videira, da Alemanha.
Melhoramentos genéticos são realizados no mundo todo como uma forma de ampliar a produtividade e a rentabilidade do cultivo.
“As variedades que testamos vêm da Alemanha e da Itália, as chamadas uvas Piwi, oriundas do cruzamento de variedades viníferas com espécies selvagens. Através da alta tecnologia conseguimos uma variedade com mais de 90% de genoma de vinífera e apenas o gene de resistência das uvas selvagens. Também existe um programa catarinense de melhoramento genético realizado na Epagri de Videira e UFSC de Curitibanos, cujo trabalho vai gerar resultados nos próximos anos. A grande vantagem dessas pesquisas é ter matérias primas capazes de competir no mercado com um ônus menor ao produtor e meio ambiente. As principais vinícolas da Serra Gaúcha, por exemplo, já estão mais curiosas do que as nossas sobre essas variedades, o que indica que também podem optar pelo plantio, embora a prioridade seja para os catarinenses como uma forma de aumentar a qualidade e a competitividade”, conta André.
Para tornar tudo mais acessível, a equipe envolvida no projeto realizou testes em vários locais para indicar variedades mais adaptadas para cada região. Tudo indica que regiões quentes como Urussanga, no Sul do estado, receba cultivares diferentes dos que seriam indicados para regiões mais frias como Água Doce e São Joaquim, que por sua vez, podem diferir daquelas indicadas para regiões intermediárias como Videira e Curitibanos.
“Para isso, precisamos conhecer o clima. Ao lado de cada vinhedo temos uma estação meteorológica para saber exatamente o que acontece com relação ao clima em cada um desses locais e então indicar a melhor variedade”, diz.
Na Epagri de Videira, já foi colhida a terceira safra das variedades, que produziram bons resultados. André explica que agora terão que lidar com a questão burocrática com os alemães para conseguir permissão para produzir, mas o pesquisador acredita que no próximo ano essas variedades já estejam na mão dos agricultores.
“Acreditamos que esses produtos vão viabilizar bastante os pequenos produtores para poder fazer vinhos de alta qualidade, além dos coloniais, pois essas variedades possuem características diferentes da Niágara, Bordô e Isabel. Depois que o processo for iniciado, a parte de orientação fica ao encargo da Epagri através de capacitação de produtores, extensionistas, técnicas e cooperativas”, finaliza André.
Como em qualquer produção científica, o espaço impresso também é limitado. Por isso, tivemos que selecionar duas iniciativas baseadas em projetos de pesquisa e desenvolvimento para apresentar a você algumas novidades que chegarão aos pomares e vinhedos nos próximos anos. Mesmo que você não lembre desta reportagem, com certeza verá resultados na mesa e na taça. O produtor agradece. Saúde!
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