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O clima não é mais o mesmo


AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS DEVEM SER UM PROJETO DO PRESENTE

 

O ano de 2020 foi atípico em muitos fatores. Nunca tínhamos visto tanta coisa mudar em um tempo tão curto e talvez tenha sido a mais rápida adaptação que já vivemos. Em meio à pandemia, nos adaptamos para fazer reuniões online, assistir aulas online, fazer provas online, ler livros digitais, fazer compras por apps, para evitar as saídas desnecessárias.

Entretanto, lá fora das janelas, a vida continua seu curso. Dias ensolarados, chuvosos ou nublados independem do Coronavírus. Os movimentos da Terra e dos planetas também não dizem respeito à existência ou não de (mais) um vírus letal aqui dentro do Planeta Azul.

E se os planetas ainda giram ao redor do Sol, também ainda existe noite e dia, incidência de radiação, frio e calor, estações do ano, secas e chuvas. E mais secas. E chuvas assustadoras.

A região Oeste foi tomada por surpresas não muito agradáveis em 2020 com a ocorrência de três tornados. O primeiro, em 10 de junho, atingiu o Extremo-Oeste e deixou destruição nas cidades de Descanso e Belmonte. Mais tarde, em 14 de agosto, as fortes chuvas, o granizo e rajadas intensas de vento atingiram o Extremo-Oeste, Oeste e Meio-Oeste, especialmente os municípios de Vargem Bonita, Catanduvas, Água Doce, Tangará, Ibicaré e Irineópolis, onde o vento trouxe grandes prejuízos. Seria o caso de começarmos a projetar moradias e estabelecimentos comerciais com proteção extra?

Para responder essa pergunta, conversamos com o Prof. Dr. Lindberg Nascimento Junior, professor no curso de Geografia e no Programa de Pós-Graduação em Desastres Naturais da UFSC. De acordo com Lindberg, a resposta certa é não. “Não precisamos pensar em projetar tudo isso no futuro, temos que pensar agora! A questão ambiental não é uma questão de futuro, ela é do presente”, diz. Alguns estudos feitos em 2002 identificaram 23 episódios de tornados em Santa Catarina em um período de 25 anos, sendo 15 deles casos confirmados e apenas 8 considerados como possíveis ocorrências. Pode-se inferir que, se houvesse mais dados, esse número seria ainda maior. “O Oeste de Santa Catarina faz parte de uma regionalização que envolve partes do Paraná, do Rio Grande do Sul, do Paraguai e da Argentina, que está bem na rota de circulação dos ventos. Nessa região ocorrem as trocas de energias entre as massas tropicais (vindas da Amazônia) e as massas polares (vindas do Polo Sul ou dos Andes), formando uma zona de transmissão que favorece muito a dinâmica dos ventos. Isso quer dizer que é habitual apresentar ciclones, furacões e fortes rajadas de vento”, explica Lindberg.

 

O que é um tornado mesmo?

 

Em linhas gerais, pode-se dizer que um tornado é uma coluna de ar giratória em forma de funil que se forma a partir da base de uma nuvem de tempestade e cuja circulação toca o solo. De acordo com Prof. Lindberg, é uma grande nuvem que se move em uma aceleração centrípeta conforme o ar sobe e por isso gira em espiral. “Essa grande nuvem precisa, basicamente, de calor do continente para se formar. Mas quando ela  contece na água, em grandes lagos como lagos de usinas hidrelétricas ou no mar, recebe o nome de tromba d’água. Isso ocorre nas zonas costeiras e, especificamente em Florianópolis, vê-se bastante na no Campeche”, explica.

O vento em funil toca o chão quando ocorre uma queda de pressão atmosférica muito forte, rápida, capaz de ascender o ar quente até a altura das nuvens.

 

MUDANÇA NO EIXO DA TERRA

 

O eixo da Terra é a linha imaginária que divide o planeta, cruzando o centro da Terra e seus polos. É em torno dele que o planeta gira em um movimento de rotação, dando-nos os dias e as noites. Mas o eixo não é reto e a Terra não tem uma órbita circular - ela é elíptica e o eixo é inclinado em alguns graus, o que nos dá as estações do ano. É essa inclinação que faz com que a orientação da Terra em relação ao Sol mude continuamente durante o movimento de translação.Assim, temos a razão de existirem dias mais longos e quentes, com mais radiação solar no verão em um hemisfério e dias mais curtos, frios e com menos radiação solar durante o inverno. 

Muito se falou sobre forças internas como os terremotos e tsunamis na Indonésia e no Japão, que alteraram a inclinação do eixo terrestre e, consequentemente, o clima. Segundo o professor Lindberg, as mudanças climáticas relacionadas à inclinação do eixo terrestre são organizadas por movimentos astronômicos, já que o eixo recebe influências do Sol e de outros planetas como Júpiter e Saturno. “A teoria da relatividade de Einstein, por exemplo, vai mostrar que a força de atração entre os planetas não é exatamente a gravidade, mas a compressão espaço-temporal e enquanto mais próximo você estiver do centro de gravidade, mais o espaço-tempo tende a rotacionar. São essas espaço- temporalidades que provocam mudanças no clima da Terra. Para entender mais sobre isso, eu recomendo que se estude os Ciclos de Milankovitch”, justifica.

Ciclos de Milankovitch também são conhecidos como variações orbitais e se referem aos movimentos da Terra para além da rotação e da translação e que ocorrem em milhares de anos. Essas variações orbitais também podem ser encontradas em outros astros como Marte, Titã (lua de Saturno) e Tritão (lua de Netuno) e dizem respeito a movimentos cíclicos e de longa duração da inclinação do eixo terrestre, como uma espécie de bamboleio do planeta. De acordo com o professor, as variações orbitais periódicas são explicadas em três grandes escalas de ciclos longos (precessão dos equinócios, obliquidade e excentricidade), que servem para explicar os paleoclimas (variações climáticas ao longo da história da Terra), as eras glaciais, etc. Quando a Terra bamboleia como um peão que começa a perder velocidade, tende a mudar o momento do equinócio no ciclo anual e, para o professor, “isso gera um impacto na mudança de luz e radiação solar que produz mudanças climáticas”.

 

O QUE HOUVE COM 2020?

 

Tivemos um ano bastante seco. Em 2020 tivemos a presença da La Niña, um padrão climático que aumenta os ventos na superfície do Pacífico e resfria a maior parte da região Equatorial do oceano, perturbando os padrões de circulação atmosférica, modificando a temperatura e a precipitação (chuva) em várias regiões do mundo. No Brasil, a La Niña exerce influências diferentes conforme nos aproximamos da Linha do Equador, saindo da estiagem no Sul para aumentar a intensidade das chuvas no Norte e Nordeste. De acordo com o Departamento de Meteorologia da Universidade de Colúmbia (EUA), o ápice do La Niña deve ocorrer entre novembro e janeiro (fim da primavera e início do verão), quando será verificável uma temperatura pelo menos 1,5°C mais baixa que o normal na porção central equatorial. Isso significa que será uma dos três mais intensos La Niñas dos últimos 20 anos. A seca atual, por sua vez, é a segunda pior desde 2002, já que houve uma redução de pelo menos 400 milímetros do que o normal entre a Colômbia e a Venezuela, no Sul do Brasil, no Nordeste da Argentina, Sul da Bolívia e algumas áreas da Amazônia. As previsões do Departamento indicam chuva inferior à média no Sul no trimestre dezembro-janeiro- -fevereiro e uma temperatura mais quente do que o normal no Oeste catarinense entre o fim da primavera e o verão. Já no outono, é possível que haja uma compensação da falta de chuvas como uma compensação ocorrida em anos de La Niña. A preocupação momentânea, enquanto não saem os novos boletins, é que o fenômeno seja enfraquecido no segundo trimestre de 2021 e leve essas precipitações para outros lugares, o que prejudicaria, inclusive mais uma safra brasileira.

Segundo Lindberg, as chuvas estão muito abaixo dos níveis esperados, se comparados aos anos anteriores. “Passamos por uma década altamente chuvosa, quando tínhamos uma atmosfera mais úmida, mais dinâmica, em que os processos atmosféricos acontecem de forma turbulenta, mas não são tão influentes.Em períodos de estabilidade, quando a atmosfera está aquecida e tem pouca umidade, as áreas de pressão tendem a mudar de forma muito brusca e os tornados ficam mais evidentes”, salienta.

Entretanto, o La Niña não é um fenômeno atípico. Esta estiagem prolongada e a ocorrência dos tornados recentes não deriva apenas de um fator. Estamos vendo o clima mudar. Estudos sobre o clima, via de regra, traçam suas análises sobre períodos de 30 anos para compreender as variações e estabelecer parâmetros médios. “Para a  Organização Meteorológica Mundial (OMM) é coerente que um tipo climático seja classificado com dados históricos considerando pelo menos 30 anos, com médias de precipitações, ventos, temperaturas.Quanto mais anos forem analisados, mais acurada será a análise. Mas”, Lindberg salienta, “Um estudo climático não necessariamente se reduz aos 30 anos. Ele pode ser feito em períodos menores, sobretudo para explicar variações muito rápidas e muito pequenas. Há análises de características climáticas de 10 anos e também pode haver lugares em que não há uma tipologia climática, logo, pode-se acurar em menos tempo”. Em regiões onde não há dados estatísticos organizados ou indicadores meteorológicos, as características climáticas são inferidas por indicadores como os aneis das árvores,  compartimentos geomorfológicos, tipos de solo, marcas geomorfológicos dos rios, entre outros elementos registrados no relevo.

 

O CLIMA MUDOU NO OESTE

 

"Posso afirmar categoricamente que há uma mudança climática no Oeste porque a mudança climática faz parte das nossas formas de ocupação do território”, afirma Lindberg. Segundo o professor, o Oeste catarinense passou por uma alteração muito forte na paisagem nos últimos 30 anos, em que áreas de Mata Atlântica e de domínio de araucárias foram substituídas por áreas de plantio, de pecuária, e também invadidas pelo crescimento das cidades. Com a transformação da paisagem, há alteração no clima.

“Então esse clima não é o mesmo de 100 anos atrás e nem é o mesmo de 30 anos atrás. Temos que entender que o clima apresenta variabilidades diferentes em cada período histórico, ou seja, no século passado ele variava de um jeito e hoje varia de outro. Estudos mostram que as chuvas da região tem aumentado entre o início da primavera e o final do inverno, e diminuído no período invernal, isso mostra uma tendência de tropicalização das chuvas como é verificado no território que abrange desde o Norte do Paraná até o Sul do Amazonas, onde temos períodos muito claros de chuva e seca. Esse aumento na amplitude das chuvas é visível no Sul em função da redução da vegetação, que era mais densa e promovia precipitações mais estáveis. Agora, tiramos muita vegetação, e com ela tiramos a concentração de água, temos mais variabilidade nas chuvas. O fenômeno não é novo, ele já acontecia antes, mas a transição está mais veloz, indicando que devemos repensar a paisagem para conviver melhor com essas alterações” destaca.

Ainda há mais razões para a mudança. Além da influência humana, que troca progressivamente os sítios arborizados por cidades e transforma o solo em ambiente construído favorecendo o calor sensível, também devemos lembrar da ação dos oceanos. Lindberg explica que o oceano exerce muita influência sobre o clima do continente e, especialmente, o Atlântico tem passado por um processo de aquecimento muito forte nos últimos cinco anos. Com a temperatura elevada, a chuva que deveria vir ao continente cai novamente no oceano, logo as porções de terra que constituem nossas cidades ficam cada vez mais secas. As variabilidades do clima, portanto, devem considerar esses fatores sem esquecer do aquecimento global.

Se o clima mudou por fatores naturais e antropogênicos (de origem humana), a hora de começar a entendê-las e pensar em alternativas para conviver melhor com a natureza que nos cerca é agora. “Se formos somar todos esses fatores com o fato de estarmos em uma zona de transmissão, onde ocorre o encontro das massas quentes e polares, é urgente a necessidade de pensar em adaptação e não apenas em projeção para o futuro. As nossas estruturas devem mudar e também o nosso cuidado com a proteção civil das populações, porque os eventos extremos vão continuar. Nosso conhecimento deve ajudar nesse processo de edificação, proteção e previsão  sobretudo porque as populações que mais sofrem com qualquer tipo de evento climático são as mais pobres. Então a gente pensar em uma nova condição de proteção ambiental, proteção civil e justiça ambiental que favoreçam a assistência e a promoção de uma cultura de proteção do risco, redução do risco e sobretudo de diminuição da vulnerabilidade é uma necessidade emergente”, aponta.

Pensar em proteção ambiental é, sobretudo, pensar no combate à desigualdade. Em situações extremas como no caso dos tornados, as populações mais vulneráveis socialmente têm menos segurança. Além disso, elas têm menos possibilidades de se adaptar às mudanças climáticas que ocorrem ano após ano. A nós, cidadãos, cabe lembrar que pensar em formas de neutralizar os gases do efeito estufa é muito importante, mas jamais podemos nos esquecer de como transformamos a paisagem e do compromisso que devemos assumir com a proteção das populações mais pobres. “O projeto para futuro”, finaliza Lindberg, “é ser socialmente responsável pela proteção  dessa população marginalizada, composta em grande parte por gente preta e por mulheres, em busca de uma sociedade equitativa, em que as tecnologias de previsão e adaptação às mudanças sejam distribuídas igualitariamente”.

 


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