A linguagem da fresta na MPB - Antonio Carlos “Bolinha” Pereira
🎼 Hoje você é quem manda: falou, tá falado... e não tem discussão! 🎼
Os artistas transmitem o momento da história como o percebem, mas cabe ao historiador revelar o que de fato aconteceu. As letras de muitas canções compostas nos chamados “anos de chumbo”, 1968 ao final dos anos 70, reforçam a ideia de que a música serve como uma importante ferramenta de comunicação, com variadas mensagens. Numa época em que a censura restringia o acesso da população brasileira à informação, a MPB, Música Popular Brasileira, foi um importante porta-voz, uma válvula de escape para o que acontecia, um período de intensa criatividade e produção artística.
No período que durou o regime militar o compositor mais censurado foi Chico Buarque, tanto em canções de protesto quanto nas que feriam os costumes morais da época. A solução foi utilizar o recurso da *linguagem da fresta, da qual os compositores se valiam para driblar as proibições. Falando pelas “frestas”, isto é, por metáforas, eles driblavam os que tentaram silenciá-los.
Parecia uma briga de namorados, mas esse recado ousado do Chico passou pela censura e foi lançado num compacto simples, “Apesar de você”: 🎼 "Você vai pagar e é dobrado / cada lágrima rolada nesse meu penar/ apesar de você amanhã há de ser outro dia / você vai se dar mal / etc. e tal...🎼. Bastante tocado no rádio, o disquinho já se aproximava da cifra de cem mil cópias vendidas quando a mensagem foi “decifrada” e a execução da música imediatamente proibida; para completar, o incompetente censor foi despedido.
No evento “Phono 73”, promovido pela gravadora Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando tentaram cantar “Cálice”, devido ao refrão 🎼 Pai, afasta de mim este cálice de vinho tinto e de sangue 🎼, uma ambiguidade do cálice da agonia de Jesus Cristo no Calvário e do “cale-se” decretado pela censura.
A censura prévia não obedecia a qualquer critério, os censores vetavam tanto por motivos políticos ou de proteção à moral vigente, como por não entenderem o que o autor realmente queria dizer. Assim, ao invés de “o que dizer”, o importante era “como dizer”.
O caso mais marcante foi o de Geraldo Vandré no Festival de 1968, quando ele apresentou a mais contundente crítica: 🎼 ...há soldados armados, amados ou não/ quase todos perdidos de armas na mão/ nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ de morrer pela pátria e viver sem razão.../ vem, vamos embora que esperar não é saber/ quem sabe faz a hora não espera acontecer 🎼.
Sua composição “Caminhando ou pra não dizer que não falei das flores” era a favorita do público no ginásio Maracanãzinho mas os vigilantes censores exigiram que o troféu fosse entregue a outra concorrente, “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim – sem reparar nos versos que traduziam a esperança dos exilados: 🎼 vou voltar, sei que ainda vou voltar.🎼
Taiguara, considerado um compositor de canções românticas, foi um dos mais perseguidos e teve dezenas de músicas censuradas. Em “Universo no teu corpo” reclamava: 🎼 eu desisto, não existe essa manhã que eu perseguia/ um lugar que me dê trégua ou me sorria/ uma gente que não viva só pra si! 🎼.
Os exemplos são muitos, e o recurso era utilizado por Chico Buarque, Caetano Veloso, Gonzaguinha, Ivan Lins, João Bosco, Milton Nascimento, Taiguara e até compositores de outras vertentes, como Benito di Paula, Dom e Ravel, Ednardo, Odair José, Paulo Diniz, Raul Seixas, Rita Lee, Waldick Soriano e Luiz Ayrão, cujo samba “Treze anos” era uma resposta aos pronunciamentos das autoridades militares que saudavam os 13 anos da revolução de 1964 naquele ano de 1977.
Voltarei ao assunto, por enquanto saiba mais em... http://www.osdiscosdobolinha.blogspot.com/
Antonio Carlos “Bolinha” Pereira, Comunicador
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